Desaparecido
No dia 11 de março de 1971, um pouco antes das 11 horas, o educador Anísio Spínola Teixeira saiu da Fundação Getúlio Vargas, na Praia de Botafogo 190, e iniciou uma caminhada até o número 48, onde morava o lexicógrafo, filólogo, professor, tradutor, ensaísta e crítico literário Aurélio Buarque de Holanda. Ele nunca chegou ao apartamento do velho amigo. Dois dias depois, a polícia telefonou para a casa de Anísio Teixeira informando que o corpo dele havia sido encontrado no poço do elevador do edifício nº 48. Segundo a polícia, teria sido uma morte acidental, versão em que ninguém acreditou.
Desde o desaparecimento de Anísio Teixeira, seus amigos e familiares haviam se mobilizado, ido a hospitais, aos endereços da editora Civilização Brasileira – onde prestava consultoria – e do edifício de Aurélio Buarque de Holanda e nada. A primeira pista surgiu quando um dos amigos soube, pelo comandante do I Exército, que ele teria sido detido para averiguações na Aeronáutica.
Muitas contradições do caso levavam a suspeitas de um acidente forjado. O corpo havia sido transportado para o Instituto Médico Legal sem que antes fosse feita uma perícia no local do suposto acidente. Conhecidos da família que acompanharam a necropsia notaram que havia duas lesões no crânio e uma acima da clavícula que não eram compatíveis com uma queda, mas sim com um ataque por objeto contundente. Além disso, a reportagem do jornal Última Hora que cobriu o caso escreveu que “o comissário Limoeiro, da 10ª Delegacia, registrou o caso como ‘morte suspeita’.” Segundo o investigador, dificilmente o professor teria caído no poço. “A posição em que o corpo foi encontrado – de cócoras, com a cabeça junto aos joelhos, sob um platô de cimento armado meio metro acima do fundo do poço –, os ferimentos na base da cabeça e no rosto, respingos de sangue na parte interna da casa de força e o estado de decomposição do cadáver reforçam as suspeitas de crime.”
Anísio Teixeira era um intelectual respeitado. Jurista, escritor e educador, ele foi o responsável pelo movimento Escola Nova, nas décadas de 1920 e 1930, que preconizava uma educação pública com visão crítica em oposição à memorização. Foi dele também a ideia de escolas públicas em tempo integral, antecessoras dos CIEPs do professor Darcy Ribeiro, um de seus muitos discípulos. No ensino superior, Anísio Teixeira foi fundador, em 1935, da Universidade do Distrito Federal – que mais tarde foi transformada em Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, atual UFRJ – e, junto com Darcy Ribeiro, também fundou a Universidade de Brasília em 1963.
Quando os militares deram o golpe de Estado em 1964, Anísio Teixeira era reitor da UNB. Foi destituído e, para sobreviver, passou a prestar consultorias a diversas instituições e empresas, como a Editora Civilização Brasileira, de Ênio da Silveira. Era filiado ao MDB – único partido de oposição permitido pela ditadura –, mas sua atuação política era discreta. Naqueles dias, estava mais preocupado em concorrer a uma vaga de imortal na Academia Brasileira de Letras. Mas, naqueles tempos mais duros do regime – o deputado Rubens Paiva havia desaparecido dois meses antes –, bastava ser democrata para se tornar inimigo do Estado e ser perseguido. Passados quase 50 anos da morte do educador, muitas perguntas permanecem sem respostas, mesmo depois da instauração da Comissão da Verdade. E ninguém foi punido por seus crimes. Talvez por isso ainda haja gente desavisada – a falta que faz uma educação crítica! – que anseie por uma intervenção militar.