Aos 20

Aos 20

A verdadeira Poesia é vaticínio. E, por conseguinte, é ato de extrema radicalidade, se considerados o caráter biologicamente virtual da mente humana e as desrazões do imaginário.

E, por ser radical, o ato poético é vigoroso e eternamente jovem. Independente da idade cronológica do poeta.

Contudo, o movimento romântico – que abarcou parte do século XVIII e o XIX inteiro – inventou o culto ao poeta morto, ou melhor: morto jovem. No caso brasileiro, três grandes nomes da poesia do Segundo Império cumpriram o vaticínio romântico: Castro Alves, o “poeta dos escravos”, morto aos 24; Casimiro de Abreu, autor de “Meus oito anos”, que se foi aos 21; e Álvares de Azevedo, desaparecido aos 20.

Nascido na capital paulista, o autor de “Lira dos vinte anos” passaria a infância e a eterna juventude no Rio de Janeiro. Primeiramente, numa escola pública de Niterói “onde queriam corrigir-lhe as fugas de atenção a golpes de palmatória”. Porém, para sua salvação poética, “transferiram-no os pais para o colégio Stoll, instalado em Botafogo por excelente mestre estrangeiro”.

E foi no bairro que sua infante poesia se instaurou e, seguindo as normas de seu mentor londrino, o lord Byron – “eat, drink and love” –, se expandiu e ganhou vida:

Eu durmo e vivo ao sol como um cigano
Fumando meu cigarro vaporoso
Nas noites de verão namoro estrelas
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso

Azevedo viveu a juventude do Rio, em época bucólica e higiênica, em que competidores de barco a vela e de natação se revezavam nas águas cristalinas da enseada. Bem como fanfarrões de toda espécie:

Deve ter sido uma sensação para toda a cidade e, especialmente, para a meninada do colégio Stoll, a tentativa do homem-peixe, nas proximidades do educandário, na Praia de Botafogo.

Apesar de ter contraído a tuberculose, o “mal do século” que ceifava vidas de poetas adolescentes, impetuosos e imprudentes, Azevedo vaticinara a própria morte, dias antes, no clássico “Lembrança de morrer”:

Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nenhuma lágrima Em pálpebra demente.

Morte que ocorreria – depois da prática de muito eat, drink e algum love – inusitadamente, em consequência do hobby menos radical do vate romântico:

(…) o poeta saíra, para um passeio a cavalo, como costumava fazer, por Botafogo (…), de onde às vezes trazia o resultado de suas explorações no domínio da botânica.

E fora justamente num desses passeios que o poeta caíra do cavalo.

Lucio Valentim