A rainha da Inglaterra em Botafogo
Em visita ao Brasil em 1968, a rainha da Inglaterra Elizabeth II passou os últimos dias da viagem na cidade do Rio de Janeiro, com direito a carnaval, futebol e pernoite em iate ancorado nas águas calmas da Enseada de Botafogo. Foi no bairro que a rainha cumpriu sua agenda mais intensa.
Naquele ano, o mundo pegava fogo: estudantes protestavam na França; uma revolta na antiga Tchecoslováquia havia sido reprimida com a invasão do país por tropas lideradas pela União Soviética; nos EUA, haviam sido assassinados o líder dos direitos civis Martin Luther King e o senador Bob Kennedy; e, no mundo todo, havia protestos contra a Guerra do Vietnã.
No Brasil, a situação não era mais tranquila. O governo do general Costa e Silva escancarava a ditadura. Em 28 de março, o estudante Edson Luís fora assassinado por militares durante uma manifestação estudantil, no Rio. Em protesto, no dia 26 de junho, havia sido realizada a Passeata dos 100 mil, liderada pelos estudantes, com a adesão de artistas e outros representantes da sociedade civil. Em 12 de outubro, um congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes – na ilegalidade depois do golpe de 1964 – havia sido interrompido com a prisão de 920 estudantes em Ibiúna, São Paulo.
Em meio à crise, a visita da rainha era uma oportunidade de trégua.
No final da tarde do dia 8 de novembro, a rainha Elizabeth II – acompanhada do príncipe Philip e de comitiva – desembarcou no Aeroporto Santos Dumont, no Rio, para a última etapa da visita ao país, que havia sido iniciada no dia 2, em Recife, passando por Salvador, Brasília e São Paulo.
O ponto alto da visita seria o lançamento da pedra fundamental da ponte de 13,2 quilômetros ligando as cidades de Rio de Janeiro e Niterói. A obra monumental – considerada, na época, a segunda maior ponte do mundo – foi financiada, inicialmente, por bancos ingleses. Ingleses também eram os fabricantes das enormes estruturas de aço da ponte. Afinal, só no Brasil é pecado apoiar a indústria nacional.
Do aeroporto, a rainha embarcou no iate real HMY Britannia rumo à Enseada de Botafogo. A embarcação serviria de hospedagem e local de descanso durante sua estada no Rio. O primeiro compromisso foi um coquetel no Iate Clube, onde foi recebida pelo comodoro e pelas socialites com os rapapés de sempre. A programação do primeiro dia terminou com um jantar para 50 convidados a bordo do Britannia.
Partiu Botafogo!
Na manhã do dia seguinte, a rainha passeou por Botafogo em carro aberto, sendo saudada por populares nas ruas do bairro, e conheceu alguns pontos turísticos – entre eles a Praia de Botafogo e o Mirante Dona Marta –; visitou a igreja anglicana Christ Church e a British School, ambas localizadas no número 99 da rua Real Grandeza; e inspecionou um terreno do consulado britânico no Morro Dona Marta, onde seria construída uma creche comunitária.
À tarde, a rainha foi até o bairro do Caju, onde deu o início simbólico à construção da ponte Rio-Niterói. As obras seriam concluídas, com atraso e superfaturamento, seis anos depois.
À noite, o consulado britânico ofereceu à rainha e a sua comitiva uma recepção no número 360 da rua São Clemente*, mansão de Botafogo onde havia funcionado a embaixada britânica antes da mudança da capital federal para Brasília. O evento teve participações do violonista Baden Powell, da cantora Eliana Pittman e de passistas e ritmistas da Mangueira, inaugurando a tradição da família real britânica de passar vergonha tentando sambar.
No domingo, último dia da programação oficial, a rainha retornou à Christ Church para um serviço religioso e à mansão da São Clemente para apresentação do corpo de funcionários do consulado.
Pela tarde, a rainha foi ao Maracanã para assistir à disputa do Torneio Rio-São Paulo, vencido pelos paulistas. Coube à Sua Majestade entregar a taça ao Rei Pelé.
Após a partida da comitiva, o que não andava bem ficou muito pior. No dia 13 de dezembro, entrou em vigor o Ato Institucional nº 5, que deu poderes ao Executivo federal para fechar o Congresso e as assembleias legislativas, autorizando o presidente a governar por meio de decretos e inaugurando o período mais tenebroso da história do Brasil.
A calma das águas da Enseada de Botafogo era ilusória.
* Em 1975, a mansão foi vendida vazia para a prefeitura do Rio, que a transformou no Palácio da Cidade, local de trabalho do prefeito e de recepções oficiais do governo municipal.