O cego e o bar

O cego e o bar

No mar há muitas espécies de peixes – já dizia o velho Hemingway. 

E no bar há vários tipos de bebuns – digo eu.

Onde hoje fica o “Baixo Botafogo”, havia umas biroscas fantásticas, nas quais alcoólicos de toda a natureza viviam a se regalarem. E a acotovelarem-se uns aos outros.

Nas madrugadas, era quando chegavam os mais sedentos e exóticos.

Por ali passavam o halterofilista esquelético, o marido fugido, o velho frustrado, a dama da noite.

E, sempre depois das 2h, o cego de bengala.

Não teria mais de 20 anos aquele rapaz. Chegava ninguém sabe de onde. Mas diz que morava por ali mesmo, em algum prédio da Voluntários da Pátria.

Como seu lugar era reservado no balcão, chegava sem acotovelar ninguém e punha-se ali, quieto, até que o barman lhe trouxesse a primeira cerveja.

Bebia com voracidade cega: uma, duas, três, quatro (certa vez, consegui contar mais de dez!).

Em contrapartida, comia nada. E nada falava. A dado momento da madruga, se ria sozinho. E partia, sem deixar vestígios.

Sempre às sextas-feiras, trazia uma viola. E, épico, cantava-nos vastas serestas.

O mais curioso era que, enquanto os bêbados – conhecidos e anônimos – “peleavam” para saírem dali com certa dignidade (alguns vômitos, alguns choros, algumas velas…), o cego pagava a conta e saía sem a bengala. Impune. Impávido colosso, como se nada tivesse havido. Ou bebido.

Enquanto eu, àquelas alturas sempre cambaleante e às cegas, invejava-o.

Lucio Valentim