Tragédia em Botafogo
O escritor Raul Pompéia (1863-1895), autor do romance “O ateneu”, envolveu-se em inúmeras polêmicas ao longo da vida, a maior parte delas por razões políticas. De temperamento forte – e, ao mesmo tempo, de espírito sensível –, fez e desfez amizades; quase chegou a duelar com o poeta Olavo Bilac; e, por fim, se matou com um tiro no peito, em sua casa, no bairro de Botafogo, por não ter conseguido publicar uma resposta a uma crítica do poeta e jornalista Luís Murat.
Não pense você que polarização política é coisa dos dias de hoje. Muito antes de mortadelas x coxinhas – e apenas para ficarmos no período republicano –, havia os florianistas, simpatizantes de Floriano Peixoto, segundo presidente da República (1891-1894), conhecido como o Marechal de Ferro, e os antiflorianistas, ou seja, todo o resto.
Raul Pompéia era florianista roxo. Defendia a ditadura nacionalista do marechal em oposição às oligarquias cafeeiras baseadas em São Paulo. A partir de 1892, publicou vários artigos em defesa do governo e contra seus detratores. Se, por um lado, ganhou o reconhecimento de Floriano Peixoto, que o nomeou diretor da Biblioteca Nacional; por outro ganhou também uma boa soma de inimigos entre seus pares, muitos deles companheiros da época do Império, quando lutavam juntos pela abolição do regime escravocrata e pela República.
Uma dessas polêmicas, que normalmente ficavam circunscritas aos jornais, quase terminou em tragédia. Após mais um artigo virulento de Raul Pompéia no Jornal do Commercio, o poeta Olavo Bilac (foto), por meio de pseudônimo, respondeu no jornal O Combate, acusando-o de servilismo e adulação, além de fazer insinuações a suposta homossexualidade do escritor. Após esperar por uma retratação, que não veio, Pompéia desafiou Bilac para um duelo, prática proibida no Brasil. “Só a sangue isso pode acabar”, teria dito Raul Pompéia. Cada qual escolheu seus padrinhos: pelo lado de Bilac, os capitães Jesuíno de Albuquerque e Miranda de Carvalho; da parte de Pompéia, o comandante Francisco de Matos e Tomás Delfino. E os dois lados escolheram um terreno baldio como palco do duelo. Alertada por jornalistas da turma do “deixa disso”, a polícia interveio e impediu o duelo. Chegaram a marcar em segredo nova data e local, mas já não havia ânimo, e tudo se resolveu com um aperto de mãos.
Um louco no cemitério
No dia 29 de setembro de 1895, Floriano Peixoto morreu e foi enterrado no cemitério São João Batista, em Botafogo. O funeral teve a presença de várias personalidades, entre elas a do presidente Prudente de Morais. À certa altura, Raul Pompéia tomou a palavra e proferiu um discurso veemente, atacando os adversários políticos do marechal. O novo presidente não gostou e ordenou a demissão de Raul Pompéia da Biblioteca Nacional no dia seguinte. O escritor ainda tentou se defender publicando no jornal O País o artigo “Clamor maligno”, em que se dizia vítima de intriga. No dia 16 de outubro, o jornalista Luís Murat publicou artigo demolidor no jornal Comércio de São Paulo. Com o título “Um louco no cemitério”, a peça era insidiosa e repleta de ofensas pessoais, tripudiando de Raul Pompéia e defendendo sua demissão. Deprimido e sem encontrar veículo disposto a publicar sua resposta, Raul Pompéia, na noite de Natal daquele mesmo ano, deitou-se na chaise longue da sala do sobrado da rua São Clemente, a dois passos da rua Dezenove de Fevereiro, e deu fim à própria vida com um tiro no peito. Em sua coluna semanal, Machado de Assis escreveria: “Raul Pompéia suicidou-se em casa, com um tiro no coração. Mas não morreu instantaneamente. Ele ainda teve tempo de perceber que a sua irmã, ao vê-lo, tivera uma crise nervosa; por isso, murmurou à mãe que cuidasse dela”. Para o jornal A Notícia, Pompéia deixou o seguinte bilhete: “Declaro que sou um homem de honra”. Quanto a Luís Murat, um poeta menor hoje praticamente esquecido, contam que morreu louco, com delírios, ora de que havia feito as pazes com Floriano Peixoto, ora acordando no meio da noite ouvindo os cavalos do marechal subindo pelas escadas de sua casa, na rua Medeiros Pássaro, na Tijuca.