Solo sagrado de Botafogo
Em quase quatro séculos, o número 215 da rua Marquês de Abrantes já foi capelinha, oratório particular da rainha Carlota Joaquina, capela de Nossa Senhora das Dores, capela de Nossa Senhora da Piedade e, desde 1953, abriga a Paróquia de Nossa Senhora do Monte Claro, padroeira dos católicos poloneses.
Antes de seguir com a história, porém, vale uma explicação. Embora muita gente não saiba, a rua Marquês de Abrantes faz parte de Botafogo até a rua Clarice Índio do Brasil. Só depois dela é que se chega ao bairro do Flamengo, segundo o Decreto Municipal nº 5280 de 1985.
Feita a ressalva, desde o ano de 1720 existem registros de uma humilde capelinha naquele local. Em 1810, quando Carlota Joaquina mudou-se para a Praia de Botafogo, a capelinha foi anexada ao terreno onde ficava o palacete da rainha para servir de oratório particular. Em 1821, com a volta da família real para Portugal, todo o terreno – incluindo o palacete e a capela – passou a fazer parte do espólio do Império do Brasil, e, em 1842, foi arrematado pelo Marquês de Abrantes. No lugar em que ficava a capelinha, o novo proprietário mandou construir a Capela de Nossa Senhora das Dores, cujo projeto arquitetônico permanece o mesmo até os dias de hoje. Após a morte do Marquês de Abrantes e várias outras sucessões, a capela foi herdada pela Irmandade de Nossa Senhora da Glória do Outeiro para culto à Nossa Senhora da Piedade. Entre 1922 e 1951, a capela foi arrendada por ingleses e, finalmente, a partir de 1953, passou para a comunidade católica de origem polonesa que a consagrou como Paróquia Nossa Senhora do Monte Claro. A missa inaugural, no dia 12 de julho de 1953, foi celebrada pelo famoso bispo Dom Helder Câmara e teve a presença do arcebispo Dom Carlo Chiaro, núncio apostólico.
A Virgem Negra dos poloneses
Nossa Senhora do Monte Claro, também conhecida como Jasna Góra (Monte Claro) e Virgem Negra de Częstochowa, é a santa padroeira dos católicos poloneses. Seu mais famoso devoto era Karol Wojtyla, o já falecido papa João Paulo II.
Segundo a tradição, o quadro existente no mosteiro da cidade de Częstochowa é uma réplica fiel do quadro da Virgem que teria sido pintado pelo apóstolo São Lucas. Diferentemente da maior parte das representações ocidentais de Nossa Senhora, esta tem a pele escura, assim como o menino Jesus em seu colo. Constantino Magno (272-337 d.C.), imperador romano que se converteu ao catolicismo, ganhou o quadro de sua mãe, Flávia Júlia Helena, que mais tarde seria canonizada como Santa Helena. O quadro foi instalado na capela imperial, enquanto cópias eram enviadas para várias outras cidades.
Mais de dez séculos depois da morte de Constantino, o príncipe polonês Ladislau Jagiello levou uma cópia do quadro da Virgem Negra para o topo da colina Jasna Góra, em gratidão pela proteção alcançada na defesa de seu castelo. Lá foi construído um santuário, que virou local de peregrinação. Contam que hussitas, da Boêmia – região localizada no antigo Sacro Império Romano-Germânico –, tentaram se apoderar do quadro em 1430. O chefe do grupo invasor, após tentar retirar o quadro sem sucesso, teria desferido dois golpes no rosto da Virgem Maria. Ao tentar um terceiro golpe, no entanto, teve sua mão paralisada. Ele e seus comandados caíram mortos, fulminados por um raio. Naquele mesmo ano, o quadro foi restaurado – e também em 1632, 1705 e 1925 –, mas as cicatrizes do rosto da Santa Negra nunca desapareceram. Acredita-se que este é um sinal claro da presença de Nossa Senhora do Monte Claro (Jasna Góra Czestochowa), padroeira da Polônia.
Fonte de pesquisa: Cf. Z. MALCZEWSKI SChr. A presença dos poloneses e da colônia polonesa no Rio de Janeiro.