Mecenas…

Mecenas…

Empresários inescrupulosos, sempre os houve – e haverá.

Na Roma antiga, assim como bairros de má reputação, tipo Sodoma e Gomorra – os mais afamados pelo apetite sexual –, havia também bairros como o de Suburra – menos conhecido da história. Esse bairro, além de antro de tabernas, jogatinas e bordéis, notabilizar-se-ia por ser local onde membros de grandes famílias abastadas e seus representantes reuniam-se para tramarem, em surdina, indecentes falcatruas e obscuros negócios.

Plauto, o comediógrafo latino, denunciara à exaustão a fanfarronice inescrupulosa dos empreendedores romanos já ali por volta do século II a. C.

Na América – berço do liberalismo moderno –, pode-se destacar, por exemplo, gente do porte dos Rockefeller. No Brasil, houve um tempo em que tudo era Guinle: do Copacabana Palace ao Teatro Fênix, do Palace Hotel aos edifícios, logradouros, parques; tudo era Guinle. E isso não era fato isolado, ou gratuito.

Privando da intimidade do poder, do acesso irrestrito às mídias; detendo importantes contatos com o grosso do mercado financeiro – sempre na surdina –; e, ademais, interferindo com braços fortes em todas essas negociações nacionais, os Guinle viviam no auge.

Mas não esqueçamos: foi nesse contexto que teve início a lógica do panem et circenses, isto é: a política de manipulação de massas por meio do “entretenimento precário, e do insosso pão”.

E o bairro-sede da família seria Botafogo – sua Suburra:

Eduardo Guinle acordou angustiado em seu palacete em Botafogo, o mais sofisticado bairro do Rio de Janeiro na época. Até o meio da tarde ele saberia o resultado da licitação da qual participara com o amigo e sócio Cândido Gaffrée.

Sim. Naquele chique endereço, confabularam os sócios e ganharam, por exemplo, a licitação para explorar o maior porto brasileiro, o de Santos. Na sequência, sempre precisados de mais luz e energia, os Guinle comprariam briga com a Light, numa das mais ousadas querelas entre o capital nacional e o estrangeiro, no fornecimento de eletricidade ao Rio.

Um detalhe inusitado no estatuto da empresa quanto à vida íntima dos sócios “viralizou” entre os funcionários – bem como na high society inteira: Gaffrée e Guinle, os sócios, viviam no mesmo endereço, São Clemente 143. Ora:

Cândido, um homem reservado, tinha um palacete próprio também em Botafogo. Como explicar que constasse no estatuto o endereço do sócio como sendo o de sua residência?

Conta-nos o escritor, historiador e biógrafo Clóvis Bulcão – em Os Guinle – que, para os familiares de Cândido, ele e Guilhermina eram amantes. O marido pactuava. E arremata: os Guinle de baixa estatura seriam todos filhos de Cândido!

Dominando basicamente todos os grandes empreendimentos nacionais, não só o dinheiro, mas a glória e o glamour da fama lhes chegavam fácil:

(…) começavam a ficar conhecidos na corte. Cândido era retraído socialmente; já o amigo, ainda que discreto, mantinha um estilo de vida um pouco mais arrojado. A escolha de Botafogo como bairro para residência é uma mostra disso.

Logo, todos – de políticos a empresários, de puxa-sacos a escritores – todos queriam tirar sua casquinha:

A escritora carioca Carolina Nabuco, ainda jovem, se deslumbrava sempre que entrava na casa de Carlos, na enseada de Botafogo. O belíssimo jardim lateral, marcado por uma aleia de Palmeiras imperiais, dava o tom da imponente construção.

Até mesmo a alta realeza sucumbira ao poder de Botafogo. Sabendo que duas cabeças coroadas, o príncipe de Gales e o duque de Kent, estariam na cidade:

O casal não deixou passar a oportunidade e os convidou para a festa, no casarão de Botafogo. Ambos seriam, mais tarde, reis da Inglaterra — o primeiro era Eduardo VIII, e o segundo, Jorge VI, pai da rainha Elizabeth II.

E a realeza ficaria hospedada, of course, no imponente Copacabana Palace.

Com bom proselitismo investidor – e alguma pitada de religiosidade –, os Guinle também mexeriam com caridade, e com educação. Às mulheres da família – como era comum às elites – cabiam as ações caridosas:

Celina dedicou-se mais às ações de caridade, muitas vezes ao lado de dom Jaime Câmara, cardeal que passou a vida defendendo o bem-estar dos menos favorecidos, como quando abriu uma entidade em Botafogo de apoio à pobreza (…)

E foi assim que, num conluio entre Eduardo Guinle e o cardeal Leme, surgiriam as Faculdades Católicas, nos anos de 1940.

Esse projeto embrionário geraria a Associação de Amigos da Universidade Católica do Rio de Janeiro – futura PUC –, que, antes da Gávea, tinha seu núcleo inicial na rua São Clemente.

Os Guinle: fundadores da PUC.

Paternidade que muitos filhos da PUC por aí desconhecem…

Lucio Valentim