Sem champanhe

Sem champanhe

Houve um tempo em que estava na moda ser chique.

E esse glamour todo se manifestava tanto na futilidade das colunas sociais quanto na figura de colunistas famosos. Época em que o Rio de Janeiro vivia ainda dos reflexos dos anos dourados. Sim. Ali por volta dos anos de 1960 e até os meados da década seguinte, a cidade tinha muito a contar: das boates, das praias, das noites, das festas. Claro, tudo isso circunscrito a um determinado grupo social – a jeunesse dorée carioca – e a uma específica área urbana – a Zona Sul.

Para registrar todo o brilho e a contradição da cidade, havia a figura do colunista social. Destaquemos aqui Zózimo Barrozo do Amaral, e certo protagonismo do bairro de Botafogo:

O senhor e a senhora Paulo Geyer inauguravam, em dezembro de 1970, a “elegante vivenda” da Ladeira dos Guararapes, no Cosme Velho, um endereço que poucas décadas depois seria associado apenas ao caminho para a favela do Cerro-Corá, que passaria a reduto de traficantes (…) Presidente da Light, Antonio Gallotti, o Tony, e sua mulher, Myriam, abriram, de frente para a então pacata favela Dona Marta, em Botafogo, o palacete da Voluntários da Pátria com festas mensais espetaculares.

O escritor Joaquim Ferreira dos Santos, em Enquanto houver champanhe, há esperança: uma biografia de Zózimo Barrozo do Amaral, faz um interessante resgate deste momento citadino, onde os costumes de uma classe social se mesclam à ironia do cronista que a retrata criticamente – enquanto dela desfruta:

Em 1973, depois da audição do Royal Ballet no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, ele e demais convidados foram recebidos à porta da antiga embaixada da Inglaterra, na rua São Clemente (…) De todos os salões que percorreu, fascinava-se especialmente pelos novecentos e cinquenta metros quadrados de Carmen e Tony Mayrink Veiga, na avenida Rui Barbosa, no morro da Viúva, entre Flamengo e Botafogo.

O privilegiado Zózimo viu o príncipe inglês cair na ginga dos glúteos exóticos de Piná:

Em março de 1978 (…) o príncipe Charles veio ao Rio e foi recebido no Palácio da Cidade, em Botafogo, numa festa em que se misturavam o traje formal dos senhores e os trajes mínimos das passistas da escola de samba. Famosa a foto em que ele aparece se agachando, desajeitado, na tentativa de acompanhar os passos de uma passista careca, glúteos esplendorosamente à mostra.

Testemunhou também em crônica a decadência dos Guinle:

Se no início de sua história o escândalo era o fato de o patriarca Eduardo Palassim Guinle, e o sócio, Cândido Gaffrée, dividirem, além dos negócios, a cama com Guilhermina, mulher de Eduardo – morando os três numa mansão em Botafogo –, o escândalo agora era a falta de grana.

Com ele, viajamos nos costumes etílicos da época – e dos bebuns ilustres:

Tomava-se muito champanhe (Mario Prioli, dono da casa de espetáculos Canecão, em Botafogo, levava os artistas dos shows para acabarem a noite no Hippopotamus e, generoso no oferecimento de Dom Pérignon, foi apelidado de “Dom Mario”), uísque e algum vinho (ainda fora de moda no final dos anos 1970, com as marcas puxadas principalmente pelo alemão da garrafa azul, o Liebfraumilch, o preferido de Roberto Carlos).

O colunista retratou a ascensão e a queda da elite carioca. Das suntuosas festas que gradativamente migravam dos salões grã-finos para inferninhos chiques, como o Regine’s e o Hippopotamus. E do champanhe – ou Liebfraumilch – à cocaína.

Em 1980, Zózimo constatava uma novidade: as balas perdidas – “o must dos céus do Rio”, conforme ironicamente ao fenômeno se referia – haviam encontrado dois novos alvos ilustres, prenunciando o fim do glamour:

Esburacaram a casa do conde Modesto Leal, a mansão de Laranjeiras onde havia realizado o casamento de Antenor e Patrícia, e a do advogado Antônio Alberto Gouvêa Vieira, em Botafogo.

Parecendo divertir-se com o início dessa decadência, sempre bradava irônico: “Enquanto houver champanhe, há esperança”.

A despeito de ter nascido no Humaitá, se criado no Jardim Botânico, passado férias no apartamento do avô no Flamengo, estudado em Botafogo, vivido no Leblon, depois Ipanema, e morado até a morte na Lagoa, Zózimo não era rico, apenas sabia desfrutar das benesses da profissão – num tempo outro em que a high society temia a língua ferina de colunistas sociais.

Era, em verdade, um chique bicão.

No entanto, confundido com as elites que retratava, numa das vezes em que foi preso, por ter feito em sua coluna uma menção malcriada a dois ditadores da época – Stroessner e Costa e Silva –, chegando no famigerado Batalhão da PE da Tijuca, um dos encarcerados políticos vociferou:“Aí, pessoal!, os homens enlouqueceram! Eles agora estão prendendo eles mesmos!”

Zózimo, um chique bicão

Lucio Valentim