Samba Zona Sul
Era uma vez um tempo em que crítico musical era uma espécie de profissão.
Tinham opinião nas mídias escrita e televisiva; formatavam gostos mediante vasto conhecimento musical – e cultural – daqui e de alhures. E, como esse boom da crítica musical na chamada grande mídia se deu ali pelos idos de 1970/1980, o assunto predileto era mesmo o tal de rock’n’ roll.
Assim foi com Ezequiel Neves – que esbanjou talento no imponente magazine internacional Rolling Stones; foi assim também com Luiz Carlos Maciel – e suas psicodélicas publicações acerca da questão musical. E quem – com mais de 35 anos – não se recorda das clássicas aparições de Tárik de Souza e sua indefectível barbicha na TV, comentando a pauta musical local e do mundo?
Contudo, mesmo sendo “do rock”, Tárik em suas crônicas – sempre bem fundamentadas de erudito saber musical – traz histórias importantes do mundo do samba, assim como nos faz lembrar a origem e a sofisticação de vários nomes nobres do gênero:
Criado no bairro intermediário de Botafogo, Paulinho conviveu no finado Solar da Fossa com Caetano Veloso, Gal Costa, Capinan e outros tropicalistas. Sua obra, no delta entre o choro e o samba, foi salpicada de vanguardismos (…)
Ao evocar Paulinho e sua viola, o crítico, em seu Tem mais samba: das raízes à eletrônica, recorda que não vem de hoje a desconfiança que causa o samba nascido na Zona Sul.
Daí o inusitado do bordão bordado a mão por Walter Alfaiate:
“Salve a zona sul, meu Senhor/ foi Botafogo que chegou.”
Lembra-nos Tárik a respeito deste samba que
O abre-alas soaria estranho e até fora de propósito para os que delimitam a geografia do samba aos redutos de Mangueira, Estácio (…)”
No entanto, o cronista é taxativo ao localizar no bairro um das fontes originárias da modalidade pagode – assim como seus grandes ícones:
Mas, alto lá. Botafogo do Cantinho da Fofoca, um dos focos geradores do pagode de raiz, nos deu o Príncipe do Samba, Paulinho da Viola (…) e Walter Alfaiate, que inclui a ode ao bairro no pot-pourri de encerramento de seu segundo CD.
Bezerra da Silva, que até o final da vida fora morador do bairro, é quem lapidaria mais uma pérola de Botafogo, a comprovar que o tal samba-zona-sul tem a mesma cor das raízes do samba:
Discípula de Bezerra da Silva, Jovelina Farias Belford, a Pérola Negra, falecida precocemente aos 54 anos, em 1998, nasceu em Botafogo, mas se criou no Império Serrano e começou a carreira de pagodeira no Vegas Sport Clube, em Coelho Neto.
E, assim como deu vasto testemunho da vida do samba, o bairro também testemunharia boa fração de sua morte.
Tárik, em Tem mais samba, rememora onde foi que o grande Silas de Oliveira encontrou afinal seu desfecho:
Morreu durante uma roda de samba no clube Asa, em Botafogo.
Como todo bom sambista.