Quase ministro

Quase ministro

A estrutura política de nossa República se constituiu na base do apadrinhamento e do favor, isto é: o cunhadismo, o coronelismo, o compadrismo compõem a engrenagem que move a máquina dos poderes republicanos – quer seja o Legislativo, o Executivo ou o Judiciário.

Em outras palavras: o famigerado toma-lá-dá-cá – e suas funestas circunstâncias sociais – formata nosso ethos político desde as origens.

A despeito de toda e qualquer bravata de ocasião.

Que rábula pretensioso não almejaria, p. ex., a pasta da Justiça? Afinal, junto à carga de poder, o cargo significa comparar-se ao status de ilustres que por ali passaram, como o empresário-político Senador Vergueiro ou o grande escritor José de Alencar – ministros nos tempos do império.

Mas isso requer favores políticos inenarráveis publicamente. E muito dinheiro.

Lembremos que, dentre as inglórias de Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, está a de não ter sido ministro. Embora não lhe faltasse dinheiro.

Rico de berço, a sorte monetária sempre sorrira em vida a Cubas. Às vezes, até de maneiras inusitadas, como o próprio nos conta nesta passagem:

(…) indo eu a Botafogo, tropecei num embrulho, que estava na praia. (…) houve menos tropeção que pontapé. Vendo um embrulho, não grande, mas limpo e corretamente feito (…) Lembrou-me bater-lhe com o pé, assim por experiência, e bati, e o embrulho resistiu. Relancei os olhos em volta de mim; a praia estava deserta; (…) inclinei-me, apanhei o embrulho e segui.

O conteúdo do tal embrulho: cinco contos de réis em notas e moedas, tudo arrumadinho, “asseadinho” – como diria o narrador. Dinheiro, tempos depois, pago à conservadora senhora, que se tornara alcoviteira dos encontros adúlteros de Brás com uma mulher casada. É a lógica privada do favor:

Não fui ingrato; fiz-lhe um pecúlio de cinco contos, – os cinco contos achados em Botafogo, – como um pão para a velhice. D. Plácida agradeceu-me com lágrimas nos olhos, e nunca mais deixou de rezar por mim, todas as noites (…) Foi assim que lhe acabou o nojo.

Dirá mais tarde Cubas, não sem um quê de ironia: “Não alcancei a celebridade (…) não fui ministro, não fui califa (…) Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto.”

Um ministério, desde os tempos do Império, custa caro. E se por ele, mais do que nunca, ainda “transformam o país inteiro num puteiro”, caberiam as seguintes ponderações: viveríamos um revival da metáfora machadiana? A lógica pública do favor uma vez mais sendo desmascarada? Segredos de alcova do poder barganhados por réis?

Ah, acerca do mesmo tema, aconselha-se, do autor, o conto O segredo do Bonzo. Mas com trocadilhos.

Lucio Valentim