Palácio dos Loucos
Até o início do século XIX, os loucos – ou “desrazoados”, como se dizia – eram considerados pessoas diferentes, mas faziam parte da vida cotidiana, circulando livremente pela cidade, sem representar qualquer ameaça à sociedade. Para alguns, eles eram seres divinos; para outros, coitados que necessitavam de piedade para que suas almas fossem salvas. Despertavam a curiosidade, provocavam risos, mas não deixavam de compartilhar os espaços com os outros habitantes.
Isso começou a mudar quando, em 1835, Dom Pedro II encarregou a Academia Imperial de Medicina de desenvolver ações para melhorar as condições sanitárias da metrópole, por meio de campanhas de limpeza que visavam a ordenar o cotidiano da população. As ações dos médicos, aliadas às obras no espaço urbano, colocaram em evidência essa população marginalizada, que não possuía moradia, nem hábitos adequados ao novo projeto de sociedade higienizada e moderna.
Por outro lado, era consenso entre os médicos a necessidade de se construir um hospício para o tratamento dos insanos, com emprego de técnicas físicas e morais baseadas nas experiências europeias de Pinel e Esquirol. Seguindo a opinião médica, o projeto foi aprovado em 1841, e, em 1852, foi inaugurado o Hospício Dom Pedro II, nas cercanias da Praia Vermelha. Em estilo neoclássico, com pavilhões suntuosos e decoração de luxo, o complexo do Hospício Dom Pedro II logo caiu na boca do povo, que o apelidou de “Palácio dos Loucos”. A loucura antes vista como uma expressão humana era agora objeto de análise. A principal justificativa para a internação dos insanos era de ordem moral e quase nada científica.
Nem foi preciso recolher cobertores de moradores de rua, incendiar seus pertences ou atingi-los com jatos d’água. Os primeiros 144 pacientes foram transferidos diretamente da Santa Casa da Misericórdia. Novos pedidos de internação eram feitos – pasmem! – por chefes de polícia, religiosos ou políticos.
Curiosamente, o hospício reproduzia a divisão de classes existente na sociedade. Pertenciam à primeira classe indivíduos brancos membros da Corte, fazendeiros e funcionários públicos; à segunda, lavradores e serviçais domésticos; e à terceira, pessoas de baixa renda e escravos pertencentes a senhores importantes. Existia uma quarta classe, mais numerosa do que as outras, que incluía marinheiros de navios mercantes e indigentes, principalmente ex-escravos ou escravos de senhores sem recursos para o tratamento.
Enquanto os pacientes da primeira e da segunda classes viviam em quartos individuais ou duplos e se ocupavam de pequenos trabalhos manuais, jogos e leitura; os de terceira e quarta eram alojados em ambulatórios compartilhados com até 15 pessoas e trabalhavam na cozinha ou faziam serviços de manutenção, jardinagem e limpeza. Aparentemente, os últimos se recuperavam com mais facilidade do que os primeiros. O ócio nada criativo perpetuava a internação.
Após a instauração da República, em 1889, o Hospício Pedro II foi rebatizado como Hospício Nacional de Alienados. As internações se multiplicaram. Entre janeiro de 1890 e novembro de 1894, foram internados 3.201 pacientes.
Superlotado e decadente, o velho Hospício Nacional de Alienados foi finalmente fechado em 1944, após a transferência dos pacientes para a Colônia Juliano Moreira e para o Hospital do Engenho de Dentro, atual Instituto Nise da Silveira. O conjunto de prédios foi entregue à Universidade do Brasil, que, em 1965, mudou seu nome para Universidade Federal do Rio de Janeiro.