Corno manso

Corno manso

A Guerra de Canudos foi, certamente, um dos mais bizarros episódios da história deste país tão recente. E, para registrar tamanho genocídio republicano, Euclides da Cunha deslocar-se-ia de mala e cuia para o sertão baiano.

Independente de sua patente militar, o escritor estivera ali, travestido de jornalista, a fim de registrar, com toda a fidelidade possível, as cenas de violência promovidas pelo Exército Brasileiro contra a aldeia repleta de flagelados fracamente armados.

O episódio, contado à exaustão como prodigioso pela história republicana oficial, deixara marcas indeléveis a revelarem um poder bélico estúpido despejado contra velhos, crianças, mulheres e outros vulneráveis de toda espécie. Tanto que, século depois, em A Guerra do fim do mundo, o grande escritor peruano Mario Vargas Llosa retomaria dramática e criticamente o tema.

Ocorre é que, durante o tempo em que Euclides dedicava-se a contar a trágica história dos desafortunados “seguidores” de Antônio Conselheiro, sua mulher, aqui no Rio de Janeiro, contraía amores adúlteros com um jovem oficial adolescente.

Era o ano de 1909.

Euclides da Cunha, já famigerado pela publicação do clássico Os Sertões, passara a tolerar as fugidas de sua Ana de Assis, até que vieram a gravidez, as brigas e a morte prematura do filho bastardo.

Numa bela manhã de agosto daquele ano, Euclides vestiu-se de preto e, fumando um Yolanda após o outro, decidira partir de Copacabana em direção ao bairro da Piedade, onde residia seu desafeto e amante de sua mulher – o cadete Dilermando –, de apenas 20 anos, para matá-lo.

Na Central do Brasil, subiu no primeiro comboio. Passou por São Cristóvão, Riachuelo, Sampaio e Méier. Saltou na Estrada Real de Santa Cruz – hoje avenida Dom Hélder Câmara, mas que atende ainda por Suburbana – disposto a “matar ou morrer”, conforme o próprio, babando de ódio, esbravejava.

Antes de chegar à Central do Brasil, porém, o escritor havia passado por Botafogo, em casa de parentes, onde se apoderara de um Smith & Wesson, calibre 22.

De nada valeram revólver, volúpia, calibre.

Quidinho – como era chamado pelos mais íntimos – acabaria morto em duelo na Piedade, com quatro tiros no peito.

Lucio Valentim