Batidão na Travessa
Não, não é o que vocês podem estar pensando. Não rolou baile funk na livraria, nem em alguma travessa do bairro. O que rolou foi um debate sobre a criminalização do funk, organizado pelo Projeto Colabora, na Livraria da Travessa da Voluntários, ontem à noite. Nós do Curta Botafogo fomos conferir.
O Colabora com Ideias – que acontece mensalmente, revezando-se entre as livrarias de Botafogo e Leblon – reuniu o cantor e compositor MC Leo, a linguista Adriana Lopes e o cientista social Dennis Novaes, sob a mediação da jornalista Cláudia Silva Jacobs. Na pauta, a proposta de autoria do empresário paulista Marcelo Alonso de criminalizar o funk “como crime de saúde pública à criança, ao adolescente e à família”.
Adriana Lopes abriu o debate lembrando que o funk tem 30 anos, mas a primeira vez que virou notícia foi nos anos 1990, com o evento do arrastão, que, graças à mídia, o associou ao funk. De lá para cá, o funk esteve sempre associado a todo tipo de crime e práticas negativas, como o tráfico, o estupro, as drogas e até a gestação precoce de adolescentes. Ou seja, há anos o funk já está criminalizado – social e midiaticamente –, como bem destacou MC Leo, compositor de funks famosos como “Rap das Armas” e “Endereço dos bailes”, fundador da APAFunk – associação criada para defender o funk – e colunista da revista Caros Amigos.
“Somos uma sociedade racista, que não suporta ouvir determinadas vozes”, observou Adriana. MC Leo concordou, complementando que o Rock Brasil, por exemplo, não enfrentou esse tipo de discriminação porque era uma geração de músicos brancos, apesar da famosa trinca “sexo, drogas e rock’n’roll”.
A ideia também é defendida por Dennis, que está fazendo sua tese de mestrado sobre isso. “O racismo oprime violentamente as principais manifestações culturais da população negra e pauperizada. Foi assim com o choro, com o samba e é agora com o funk”, constatou.
Único gênero musical que foi objeto de duas CPIs, o funk mais uma vez é vítima de tentativa de criminalização, mas isso não preocupa MC Leo, que tem certeza de que o funk não vai acabar. “A cultura é muito veloz perto da burocracia deste país. Um tal de MC Livinho, de São Paulo, está com 80 milhões de visualizações no Youtube. Será que alguém está ligando para 20 mil assinaturas no Senado? O funk não está nem aí”, explicou, lembrando que o funk tem três vezes a audiência do gênero que aparece em segundo lugar no Youtube.
“O funk é autossustentável, não precisa de incentivo de ninguém. O maior incentivo que o Estado pode dar para a gente é deixar a gente trabalhar”
“O funk é autossustentável, não precisa de incentivo de ninguém. O maior incentivo que o Estado pode dar para a gente é deixar a gente trabalhar”, tirou onda MC Leo. E os três participantes do debate compartilham a certeza de que o preconceito não é com o funk. “Ele está com o funk até a próxima cultura que for produzida pelos negros e pelos pobres do Brasil afora”, salientou MC, completando: “O mercado está fora do funk. Então ele criminaliza o gênero. E escolhe uma ou duas anitas para dizer que não tem preconceito”.
Se você quiser saber de tudo o que rolou no debate da série “Colabora com ideias”, o Projeto Colabora disponibilizou o vídeo. E se, mesmo depois de ouvir o papo que rolou na Travessa, você ainda achar que o funk não é cultura, dá uma sacada na letra de “Faixa de Gaza 2”, do MC Orelha.
Já falei que na faixa de Gaza
Só tem homem bomba e geral sabe disso
Alto poder de impacto e quem tá portando não brinca em serviço
É tudo ou nada
A guerra declarada não dá pra saber quem vai ser salvo
Caça vira caçador; atirador vira alvo
Porque na linha de frente sossego
É uma palavra inexistente e “paz”
É só mais um tempo pra recarregar os pentes
Mulher ouro e poder já falei que é lutando
Que eu conquisto e blindagem do meu corpo
Que fornece é Jesus Cristo
E a lei que sempre acreditei é a lei do justo lá do céu
Porque aqui a lei do homem não tá saindo do papel
De um lado nós trajado do outro os fardados e nesse
Conflito tá tudo mudado, o errado tá agindo pelo certo
E o que era pra ser certo tá agindo errado
Aqui não tem esperto e nem otário mas a vida nos obriga
Ser maldoso
Principalmente com os vermes que vem na maldade
E de nós só recebe o troco
É boné de 200, tênis de mil e uma camisa de mais de 300
Nós tá portando mas não se ilude porque a liberdade
Que pra nós tá valendo
Dizem que é ruim a vida que escolhi mas minha escolha
Eu vou honrar, e se fosse tão ruim assim
Não tinha gente querendo meu lugar
É dedo no gatilho, sangue nos olhos e o
Coração transbordando de ódio porque
Quem dá mole no filme da vida não passa
Nem do primeiro episódio
Mantendo a razão em qualquer decisão
Mente do vilão: terra desconhecida. inimigo número 1
Burro é o estado que não acredita
Enquanto o cifrão falar mais alto
E fizer parte da auto estima, vai ter
Uma faixa de gaza sempre em uma nova esquina!
Nós tá que tá, nós que tá comandando
O primeiro se liga é nós que tá no comando
Irmão por irmão, somando e multiplicando
Pra ser respeitado é só chegar respeitando!
Nós tá que tá, nós que tá comandando
O primeiro, se liga é nós que tá no comando
Irmão por irmão, somando e multiplicando
Pra ser respeitado é só chegar respeitando!