Cantinho da Fofoca – Parte 1

Cantinho da Fofoca – Parte 1

O cantinho de Botafogo

Há tempos, eu e Augusto estamos tentando descobrir onde ficava o Cantinho da Fofoca, célebre reduto do samba de décadas atrás, em Botafogo. Sabendo que os mais famosos bambas que frequentavam o lugar eram Mauro Duarte e Walter Alfaiate, intuíamos que devia ficar para os lados das ruas Arnaldo Quintela e Álvaro Ramos, já que lá se encontra a Praça Mauro Duarte. Aliás, gosto muito daquele acolhedor cantinho do bairro que esconde preciosidades e coleciona histórias.

Verinha, Maurinho Duarte e Adelina

Pesquisando na internet, Augusto encontrou menção ao bar da Adelina, que fica exatamente naquela parte de Botafogo. Bom, com essa pista preciosa, saímos de casa rumo ao número 39 da rua Rodrigo de Brito.

Como não havia nenhum letreiro, perguntamos a uma senhora que estava em pé na frente do boteco se era ali o Bar da Adelina. Ela abriu um sorrisão afirmativo e, mal perguntamos sobre o Cantinho da Fofoca, já foi falando, animadamente, do lugar. Era Verinha*, amiga de Adelina**, amiga do tipo que ajuda a servir as mesas e a picar legumes, amiga de copo, panela e batuque.

Nem havíamos passado da entrada do bar e já sabíamos que os bancos do Cantinho da Fofoca tinham pregos e farpas que furavam as roupas e machucavam as pernas. Verinha era fiel frequentadora da roda promovida por seu Alcides, dono do Cantinho da Fofoca, que, aliás, era no quintal da casa dele. Bateu ponto lá em várias épocas da vida: antes de casar, depois com o marido e, mais tarde, levava o filho também.

Ela nos convida para entrar e conhecer Adelina, que estava sentada lá dentro. Vamos entrando e olhando tudo ao redor. O bar é um autêntico pé sujo – com todo respeito e admiração –, que, em sua decoração, mistura religião e futebol. Já o samba, este está na atmosfera.

Verinha, hoje com 77 anos, lembra bem do Cantinho da Fofoca e do sofrimento com o fim daquele ponto de encontro de sambistas – fossem compositores, músicos, cantores ou apenas admiradores.

Adelina, bem mais nova, não chegou a frequentá-lo, mas já ouviu tantas histórias que é como se tivesse vivido intensamente aquele período, entre 1958 e 1974, quando a roda de samba começava em volta de uma grande mesa, na sexta-feira, e, quase sempre, só acabava no domingo. Quem morava longe, caía lá mesmo. Se, no início, seu Alcides – viúvo e pai de dois filhos – dava pensão na hora do almoço, depois parou e continuou só com o Cantinho da Fofoca, onde se pagava a cerveja que se bebia e, às vezes, rolava uma sopa na madrugada.

Não à toa, o compositor Nei Lopes compara Botafogo a Ramos, destacando que os dois bairros foram muito importantes para o samba carioca, por serem berços do pagode de quintal, que, nos anos 1980, mudou a pegada do samba com inclusão de instrumentos, como banjo, tantã e repique de mão. Como o Cacique de Ramos resiste até hoje, muita gente pensa que lá foi a origem do movimento. Mas o Cantinho da Fofoca foi tão importante nos primórdios das rodas de samba e do pagode de quintal quanto o famoso e cinquentenário Cacique.

Os frequentadores mais ilustres do Cantinho da Fofoca, como já disse, eram os amigos de adolescência, Mauro Duarte e Walter Alfaiate, saudosos botafoguenses que participaram de várias agremiações carnavalescas do bairro. Além de seu Alcides e o filho dele, Vavá, estavam sempre lá outros compositores como Zorba Devagar, Mical, Niltinho Tristeza e César Faria, violonista do conjunto Época de Ouro e pai de Paulinho da Viola, que também pintava no Fofoca para tocar, cantar e, claro, se inspirar em meio a tantos bambas. Aliás, muitos outros sambistas então mais jovens foram beber naquela fonte, caso de Beth Carvalho, João Nogueira e Clara Nunes.

– Vocês querem saber mais sobre o Cantinho da Fofoca? Vou chamar o Maurinho, que mora bem ali naquele prédio – empolga-se Adelina, já pegando o celular para ligar para o filho de Mauro Duarte.

Àquela altura, já havíamos sentado e pedido uma cerveja. Samba sempre dá uma sede! Adelina fritava uns pastéis de camarão – maravilhosos, diga-se de passagem – quando Mauro Duarte Filho chegou, uns dez minutos depois do telefonema.

Apesar de estar evitando tomar cerveja por recomendação médica, Maurinho achou que a ocasião merecia uma gelada e abriu exceção. Até porque cerveja também tem o poder de refrescar a memória e soltar as lembranças para compartilhá-las com plateia de bons e curiosos ouvintes.

Maurinho – que toca violão, inclusive nas rodas que rolam eventualmente no bar da Adelina – fugiu da música, preferindo uma vida mais segura de emprego público na Caixa Econômica Federal. Mas isso nunca o impediu de, vez por outra, se divertir com o pai no Cantinho da Fofoca.

Como não faltam histórias do famoso reduto, melhor deixar para falar mais na próxima cerveja ou na próxima roda, marcada para o sábado, 1º de julho, a partir das 16h. Informações dadas por Dark Davidson, morador da área, músico nas horas de lazer, que também foi convocado, via celular, por Adelina. A coincidência é que Dark é amigo de Augusto há anos, desde os tempos em que trabalharam juntos no Copacabana Palace.

Pausa para o pastel, mais uma cerveja. Já já voltamos ao Cantinho da Fofoca.

Dark Davidson e Maurinho Duarte

* Vera Maria Tavares de Jesus

** Adelina Maria de Sá Antunes

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Carla Paes Leme