Amor proibido

Amor proibido

Contra a vontade da família aristocrática e poderosa, ela fugiu do interior com seu amor – um mulato, filho de um padeiro do Morro do Coco – para se casarem na igreja São João Batista da Lagoa, em Botafogo. Em pouco tempo, ele seria o sétimo presidente da República do Brasil.

Parece conto de fadas, mas aconteceu de verdade.

Nilo Procópio Peçanha era um jovem e brilhante político de Campos, de origem humilde. Seu pai era conhecido no Morro do Coco como “Sebastião da Padaria”, e Nilo Peçanha costumava dizer que havia sido criado com pão dormido e paçoca. Com muito sacrifício dos pais, ele estudou no Liceu de Humanidades de Campos e se formou em Direito pela Faculdade do Recife em 1887, aos vinte anos.

Inteligente, sedutor e bom de oratória, Nilo Peçanha logo iniciou sua carreira política. Abolicionista e republicano, em 1890 foi eleito deputado constituinte; e era deputado estadual em 1893, quando conheceu o amor de sua vida.

Ana de Castro Belisário Soares de Sousa – conhecida, simplesmente, como “Anita” – era de família nobre e rica de Campos dos Goytacazes, neta do Visconde de Santa Rita – em cuja residência o imperador D. Pedro II chegou a se hospedar – e bisneta do Barão de Muriaé e do primeiro Barão de Santa Rita.

A família havia feito fortuna, durante o século XIX, com a indústria da cana de açúcar. Anita era, portanto, uma autêntica representante da “nobreza do melado”. E, como tal, havia recebido a melhor educação possível.

Anita já admirava Nilo por causa dos artigos que ele escrevia para o Monitor Campista, jornal que ela lia com bastante interesse. O pai de Anita, o advogado João Belisário Soares de Souza, tinha simpatia pelo rapaz – chegou a declarar-se seu eleitor –, mas o problema era a mãe, D. Ana Raquel Ribeiro de Castro, que se opunha ferozmente ao romance de sua filha com um mestiço de família pobre.

A fuga

Se as coisas já não iam bem, a morte de João Belisário deixou a situação insustentável. Anita e Nilo, então, resolveram fugir. Anita foi para a casa de sua tia Alice, e, no dia 6 de dezembro de 1895, os dois se casaram na Igreja de São João Batista da Lagoa, na rua Voluntários da Pátria 287, em Botafogo. O oficiante foi o padre Pelinca, vigário da paróquia de São Salvador de Campos dos Goytacazes.

A carreira política de Nilo Peçanha deslanchou. Em 1903, foi eleito sucessivamente senador e presidente do Estado do Rio de Janeiro – equivalente ao cargo de governador do antigo Estado do Rio –, ficando no cargo até 1906, quando foi eleito vice-presidente de Afonso Pena. Com a morte de Afonso Pena, em 1909, Nilo Peçanha tornou-se, aos 42 anos, o 7º presidente da República.

A imprensa ora o ridicularizava por sua negritude, nas charges políticas como “o mulato do morro do Coco”, ora o acusava de mandar “esbranquiçar” as fotografias oficiais. Além disso, havia a pressão de políticos da oposição e de ex-aliados, como o gaúcho Pinheiro Machado. Apesar do fogo cerrado, Nilo Peçanha (foto) saiu-se bem na presidência e conseguiu fazer seu sucessor, Hermes da Fonseca.

Durante seu governo, com o lema “paz e amor”, Nilo Peçanha criou o Ministério da Agricultura, Comércio e Indústria, o Serviço de Proteção aos Índios – SPI, antecessor da Funai – e inaugurou o ensino técnico no Brasil.

Anita, longe de fazer figuração como esposa recatada e do lar, tinha personalidade. E, ao contrário do marido, político habilidoso que não guardava rancores, ela era inclemente com aqueles que o ofendiam. Certa vez, em uma recepção no Palácio do Catete, Pinheiro Machado falava de Anita para outras pessoas, de forma que ela ouvisse:

“Essa menina não gosta de mim. No entanto, eu gosto mais dela do que do marido.” 

Anita voltou-se rapidamente, fixou o olhar no general e disse:

“Eu dispenso a preferência. Quem não gosta do meu marido não gosta de mim.”

Nilo e Anita tiveram três filhos – Nilo, Zulma e Mário –, mas todos morreram logo após o nascimento. O casal distribuía afeto aos muitos animais de estimação que tiveram ao longo de 29 anos de um casamento feliz, como o cãozinho Jiqui, que morou no Palácio do Catete enquanto Nilo foi presidente.

Nilo Peçanha morreu em 1924, afastado da política, e foi enterrado no Cemitério São João Batista, em Botafogo. Anita Peçanha morreria em 1960.

Uma curiosidade: Anita Peçanha levou para o Palácio do Catete o cozinheiro Luís Cipriano, que havia conhecido em visita a uma prima, em Macaé. Cipriano era o avô materno de Angenor de Oliveira, o famoso compositor Cartola.

Antonio Augusto Brito