Casado com a inimiga
A rainha Carlota Joaquina mandou construir um palacete na Enseada de Botafogo, assim que chegou ao Rio de Janeiro, em 1808. Lá passava os dias com espiões a conspirar contra Dom João VI. Nas horas vagas, divertia-se com amantes.
Nunca foi segredo para ninguém que o matrimônio arranjado por razões políticas entre D. João e Carlota – ele, herdeiro da coroa portuguesa aos 18 anos; ela, aos 10 anos, filha do futuro rei da Espanha Carlos IV – era um fardo para eles. Tanto que, antes mesmo de virem para o Brasil, já moravam em palácios separados. Reuniam-se apenas em ocasiões solenes.
Enquanto D. João tinha fome de coxinhas, Carlota tinha fome de poder. Ele era um simplório, capaz de passar temporadas na Ilha de Paquetá, em Niterói ou na Real Fazenda de Santa Cruz, descansando em barracas ou debaixo de uma árvore. Ela havia nascido para ser rainha. Carlota exigia que todos se ajoelhassem à sua passagem e era inclemente. Em 1820, Gertrude Petra Carneiro Leão ousou tirar satisfações com D. Carlota Joaquina, que era amante do marido dela, José Fernando Carneiro Leão. Poucos dias depois, Gertrude foi alvejada na porta de casa por um tiro de arcabuz e morreu. Apurado o crime, chegou-se à conclusão de que a própria rainha havia sido a mandante. Iniciou-se, então, uma operação abafa. As investigações foram dadas como inconclusivas. O viúvo recebeu o título de barão e, posteriormente, de Conde de Vila Nova de São João.
Carlota sempre conspirou em favor dos interesses espanhóis e de si própria. Foi contra a vinda da corte portuguesa para o Brasil. Aqui chegando, conspirou com espanhóis e nacionalistas platinos para ser regente da Espanha na América do Sul, de um novo reino a ser criado ou por meio da própria deposição de D. João VI. De volta a Portugal, em 1821, em meio ao cenário político conturbado, tentou assumir o trono em lugar de Dom João VI, mas, como não teve êxito, conspirou em favor de seu filho Miguel. Após a morte de Dom João VI, em 1826 – hoje se sabe que foi envenenado com arsênico –, Carlota apoiou a usurpação do trono – em poder da regente Isabel Maria – em favor de Miguel. Mas o próprio filho a renegou, e ela morreu sozinha em seu palácio, em 1830.
João, aquele que não queria ser rei, demonstrou ser um político extremamente habilidoso, a ponto de Napoleão Bonaparte ter se referido a ele como “o único que o havia ludibriado”. Já Carlota, capaz de qualquer coisa para ter poder, morreu sem alcançar seu objetivo de vida.
Para o bem ou para o mal, o palacete de Carlota Joaquina na praia de Botafogo, palco de conspirações e traições, revelou o bairro para os cariocas e para o mundo. Com a partida do casal real para Portugal, o palacete e a chácara onde ele ficava, entre as ruas Marquês de Abrantes e Senador Vergueiro, passaram a seus herdeiros. Em 1842, foram vendidos ao Marquês de Abrantes. Após a morte dele, em 1865, a viúva Carolina da Piedade Pereira Bahia casou com o médico Joaquim Antônio de Araújo Silva, Barão do Catete (no Brasil) e Visconde Silva (em Portugal), que o dividiu em cinco terrenos, antes de morrer, em 1903. Infelizmente para os que amam história, o palacete foi demolido em 1918.
Os restos mortais de D. João VI e D. Carlota Joaquina estão enterrados, lado a lado, no mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa. Pobre João!