O que disse Rui

O que disse Rui

A oratória já fora grande arte na Antiguidade clássica, presente nos discursos de imperadores, políticos e poetas. E, se a história nos ensina que o latim fez expansão através da fala vulgar dos soldados, entre as elites – fossem generais, fossem senadores – cultivava-se a boa retórica, característica maior, aliás, do discurso, sobretudo o político.

Nestes bizarros tempos em que youtubers midiotizados são fenômenos editoriais, e que mera mesóclise confere ilustração a ilegítimos e antidemocráticos chefes de Estado, não se pode perder de vista – entre nós – a indignação da voz de um Rui Barbosa.

Ferrenho crítico da mediocridade, Rui faz falta hoje, momento este em que veladas vozes apostam na inépcia e na hipocrisia; no qual não há, aliás, nem sequer Pasquins:

O escritor curto em idéias e fatos será, naturalmente, um autor de idéias curtas, assim como de um sujeito de escasso miolo na cachola, de uma cabeça de coco velado, não se poderá esperar senão breves análises e chochas tolices.

Membro e fundador da Academia Brasileira de Letras, tendo dela sido Presidente entre 1908 e 1919 – e após o exílio londrino e da compra da mansão da São Clemente –, o soteropolitano Rui tornar-se-ia um dos mais ilustres moradores da cidade e do bairro.

E de Botafogo o grande orador jamais sairia.

Foi Rui que – quando candidato civil à República, no combate ao militarismo de Hermes da Fonseca –, num dia antigo, dissera:

De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto…

Ministro da Fazenda – acionado às pressas para salvar a Pátria recém-saída da economia do Império e da escravidão –, o baiano foi quem bolara o itapuânico plano econômico do incentivo ao papel moeda, isto é: Rui mandou o governo, literalmente, fabricar dinheiro. Claro que tal política daria piriri na Bahia – e no resto da nação inteira.

Porém, se na economia era Rui um romântico, do ponto de vista político o autor de Contra o Militarismo fora extremamente ético, lúcido e justo. E afirmaria:

Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente. A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis. A politicalha é a indústria de o explorar a benefício de interesses pessoais.

Para na sequência concluir:

A politicalha é o envenenamento crônico dos povos negligentes e viciosos pela contaminação de parasitas inexoráveis.

O grande jurista bradaria também contra o que hoje denominamos fake news – eufemismo que engloba outros tais como imprensa “chapa branca”, imprensa “marrom” – ou o que o valha. Assim foi Rui voz dissonante, em 1914, na denúncia de grave episódio público à época, uma chacina de dezenas de presos – e que ficara impune:

(…) o que se teme é que aquela boca se abra, é que aquele acusado se defenda. E se isso é o que se teme, é porque há grandes criminosos, criminosos maiores, cuja responsabilidade há grandes interessados em salvar.

Num tempo ainda anterior ao cínico teatro bufo a que hoje assistimos, Rui, em A imprensa e o dever da verdade, já esbravejava:

Um país de imprensa degenerada ou degenerescente é, portanto, um país cego e um país miasmado, um país de idéias falsas e sentimentos pervertidos, um país, que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios, que lhe exploram as instituições.

Arrematando de vez a fatura:

por isso mesmo não há, para qualquer sociedade, maior desgraça que a de uma imprensa deteriorada, servilizada, ou mercantilizada.

Isso lá pelos idos de 1919.

Ruiu tudo o que Rui disse?

Lucio Valentim