Bah, Bilac!

Bah, Bilac!

Conhecemos mesmo nossos escritores? Refiro-me aqui às obras, posto que, de nome, alguns são deveras consagrados. Uma despretensiosa enquete comprovaria que o conhecimento que se tem é ínfimo diante da magnitude da Obra, uma vez que setorizamos e estigmatizamos, didaticamente, sua produção de acordo com as convenções estéticas e mercadológicas do momento.

Olavo Bilac, por exemplo, é um daqueles cariocas preteridos, face a outros nomes fluminenses exaustivamente citados. Jornalista, cronista e poeta, Bilac ficaria conhecido apenas como uma das vozes poéticas da elite parnasiana: aristocrática e nefelibata. E, desta forma, a história literária o consagraria como o poeta que vivera a escrever isolado no aconchego do lar e “longe do estéril turbilhão da rua”. Estes versos de “A um Poeta”, aliás, ficariam cristalizados e estabelecidos pela crítica bilaquiana como base e parâmetro da proposta estética do movimento Parnasiano.

Contudo, tais versos não condizem com a natureza juvenil e aventureira do poeta, criado nos subúrbios do Rio de janeiro.

Oriundo da Rua da Vala – sugestivo recinto pútrido do Centro do Rio e que, concomitante à polêmica reforma do então prefeito Pereira Passos, transformar-se-ia no que hoje é a Avenida Uruguaiana –, Bilac figura como filho legítimo da cidade. Junto a outros nomes como João do Rio, Machado de Assis ou Lima Barreto, Bilac também fora um dos grandes cronistas, dos subúrbios à Zona Sul.

Por Parnasiano que era, a impressão que a história deixa é a de que o poeta vivia nas nuvens, ou a “Ouvir estrelas”, como neste clássico

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo, Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto E abro as janelas, pálido de espanto…

parafraseado por Belchior na canção “Divina comédia humana”.

É mero fingimento poético, também, os versos que emolduram a abnegação e o isolamento parnasianos do poeta,

(…) escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

uma vez que – sempre folgazão e beberrão – o playboy Bilac protagonizaria um dos mais inusitados episódios de rua ocorridos naquele Rio de então.

Consta que o primeiríssimo automóvel da cidade – quiçá do país – pertencera, curiosamente, a um negro abolicionista (coisas do Brasil!), José do Patrocínio; e que este patrocinara uma aula grátis de direção ao amigo Olavo.

O jovem Bilac, encantador de plateias e moças com inflamados e inteligentes discursos, viveria na zona sul de Botafogo o seu mais bizarro episódio off poesia: descontrolado na direção do imponente Gardner-Serpollet francês, 1897, com 8 HP de potência, o poeta de Fanfarras protagonizaria o primeiro acidente automobilístico da cidade, ao perder a direção e arrebentar-se num poste da Rua da Passagem.

Era o ano de 1901.

Sob vaias homéricas, o encantador de plateias viveria, ali, a primeira perda total de nossa história poético-automobilística. Episódio que, anos mais tarde, o próprio revelaria em crônica, prevendo o futuro da geringonça e da cidade:

Hoje, já os automóveis são dez ou doze; e já ninguém se deixa embasbacar pelo espetáculo dessas carruagens milagrosas, (…) mostrando o que será, daqui a poucos anos, quando a reforma do calçamento da cidade estiver ultimada.

Modelo de automóvel semelhante ao que Bilac dirigiu causando o primeiro acidente de carro do país.

Lucio Valentim