Foliões de Botafogo
Enquanto unicórnios e mulheres-maravilha caminham animados pelas ruas do bairro atrás do próximo bloco ou vendedor de cervejas – ou os dois –, vamos relembrar a história de um bloco de carnaval que marcou época em Botafogo.
O Foliões de Botafogo foi fundado em 1950, numa casa de cômodos da rua Visconde de Silva número 39 (foto), por Domingo dos Santos, o Sidoca (ou Cidoca), operário de uma fábrica na rua Real Grandeza, que também tomava conta de um time de futebol.
Entre os anos 1940 e 1970, Botafogo não era muito diferente de qualquer subúrbio do Rio, exceto pela praia. Havia cortiços, vilas, botequins, peladas – nas ruas de paralelepípedos, em campos de terra batida, ou na Praia de Botafogo –, cadeiras nas calçadas, pipas, rodas de samba e terreiros de umbanda e candomblé.
No entorno da Visconde de Silva, havia a rua Pinheiro Guimarães, que era sem saída e terminava em um terreno baldio da Comunidade Olaria; as comunidades Macedo Sobrinho e Vila Rica, que ficavam onde hoje são as ruas de mesmo nome; e a Comunidade Buraco Quente, próxima à garagem Autocentral, atualmente local em que ficam instalações da empresa Furnas.
O Foliões de Botafogo ganhou o apoio entusiasmado dessas comunidades e, logo, a simpatia de todo o bairro. A concentração era na Visconde de Silva. O bloco seguia pelas ruas Conde de Irajá, Pinheiro Guimarães e General Polidoro até a São João Batista. Mas o Foliões não se contentava com uma única apresentação: também desfilava na rua Arnaldo Quintela e em outros bairros, como em Copacabana, na rua Miguel Lemos, e no Jardim Botânico, na rua Lopes Quintas. O povo se animava quando ouvia o bloco chegar cantando Meu Botafogo querido, de Arnaldo Freitas, e, a partir de 1963, Tristeza, de Nilton de Souza, o Niltinho Tristeza.
De bloco de embalo, o Foliões de Botafogo passou a bloco de enredo em 1960. Venceu dois campeonatos de banho de mar à fantasia – ao fim do desfile, os foliões se atiravam no mar, e as fantasias, feitas de papel crepom, se desmanchavam – em 1961 e 1962, e o campeonato do IV Centenário, no desfile de blocos de 1965, na Praça Onze.
A ala de compositores do Foliões de Botafogo – formada por Altamiro Freitas, Jair Cubano, Lourival Boa Memória, Niltinho Tristeza, Mauro Duarte e Walter Alfaiate – em nada ficava devendo às das grandes escolas de samba do Rio.
Os ensaios do bloco, então na sede da rua Álvaro Ramos, eram tão concorridos que a diretoria resolveu organizar um grupo para fazer shows em casas noturnas com ritmistas e passistas. Três desses ritmistas formaram o Trio Mocotó – Nereu (Nereu de São José, pandeiro), Fritz Escovão (Luís Carlos de Souza, cuíca, voz e violão) e João Parahyba (João Carlos Fagundes Gomes, atabaque) –, que ficou famoso depois de acompanhar Jorge Ben – hoje, Benjor – no IV Festival Internacional da Canção, na música Charles Anjo 45. A longa carreira do trio inclui gravações com Roberto Carlos e Erasmo Carlos (Coqueiro Verde) e com o trompetista e band leader norte-americano Dizzy Gillespie. O Trio Mocotó tocou ainda com Duke Ellington, Toquinho e Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Maria Bethânia.
Em 1970, o bloco foi despejado da sede da Álvaro Ramos, mas conseguiu abrigo no Clube ASA (Associação Scholen Aleichen), na rua São Clemente 155. No dia 20 de maio de 1972, uma tragédia: durante roda de samba no ASA, promovida por Mauro Duarte, o compositor Silas de Oliveira, frequentador do Foliões, morreu vítima de um infarto fulminante enquanto cantava um de seus sambas mais famosos – Os cinco bailes da história do Rio, parceria com Dona Ivone Lara e Bacalhau.
Em 1974, o Foliões de Botafogo passaria de bloco a escola de samba, com o nome Grêmio Recreativo Escola de Samba Foliões de Botafogo, conquistando o vice-campeonato logo na estreia com o enredo O batismo do gigante encantado.
Mas foi sorte de principiante. Como escola de samba, a Foliões conquistou um único título: campeã pelo Grupo 2-B, com o enredo A ceia dos orixás, em 1979.
Dois anos após a mudança de bloco para escola de samba, o Foliões havia perdido a sede no ASA e nunca mais se reergueu. Além de ficar sem sede, já havia perdido também boa parte de seus componentes originais, que foram morar longe do bairro, removidos de suas comunidades, postas abaixo para darem lugar a prédios modernos e novo traçado às ruas. A Pinheiro Guimarães, por exemplo, foi aberta e prolongada até se encontrar com a Visconde de Silva.
Disputas internas e administrações desastrosas fizeram com que o Foliões de Botafogo, atolado em dívidas, fosse extinto após o desfile de 2004, embora, vez por outra, ainda sejam feitas tentativas de ressuscitá-lo, como em 2017, quando foliões ocuparam a Praça Mauro Duarte.
O Foliões de Botafogo, tal como ficou famoso um dia, morreu. E, mesmo que ressurja, jamais será como antes porque o bairro mudou. Cabe a nós manter acesa a memória do bloco, com seus desfiles, sambas e sambistas memoráveis.
Pesquisa e fotos: Zelaya, Ivy; Valeu, Passista! – registro e memória, Rio de Janeiro, Folha Seca, 2015.