Corte cirúrgico

Corte cirúrgico

Tudo começou em Botafogo.

Ali, o menino vindo de Minas aos 17 anos, ávido pela medicina, faria seu debut. Aprenderia a dar os primeiros cortes cirúrgicos. Mas também aprenderia a cometer seus pioneiros delitos. Dali para frente, uma mescla de bisturis, carros de luxo, tráfico, pistolas e cocaína fariam parte do coquetel molotov em que se tornaria a vida do então jovem cirurgião.

Era o momento áureo da cirurgia plástica, no Brasil e no mundo, e o mais brilhante aluno e ex-assistente do Dr. Pitanguy, naqueles idos dos anos de 1970, fazia sucesso junto ao jet-set carioca, principalmente as mulheres. Boa pinta – e mineiro – que era.

Depois da glória com o bisturi na mão, no trabalho de recauchutar as mais altas estrelas, nacionais e internacionais, no comando da clínica na rua Dona Mariana, Osmane Ramos – mais conhecido como Hosmany Ramos – transformar-se-ia no bandido-cirurgião da mais alta periculosidade que o país já conhecera.

Consta que, certa feita, em festa na mansão de conceituada família paulistana, roubara o Cartier de Pelé – dentre outras larápias proezas.

E sequestrou aviões, e traficou cocaína, e cometeu homicídios, e casou com socialite. Pegou cana dura logo aos trinta e poucos anos de idade. Mas, no cárcere – qual Dostoiévski, Cervantes ou Graciliano Ramos –, passara a escrever romances e contos cobiçados pelo mercado editorial.

Com estilo noir, policial – ou barra pesada mesmo –, Hosmany descreve cenas contundentes do submundo do crime, como em Delitos obsessivos, onde esbarramos na estória de um promotor de justiça que sai às noites para matar pessoas, aleatoriamente. Boa reflexão, nesses tempos de criminosos judiciários.

Ou em Marginália, publicado pela imponente editora Gallimard, na França, em que playboys, cujo principal lazer é matar favelados, circulam a cidade a bordo de potente Kawasaki; ou ainda o Pavilhão 9: paixão e morte no Carandiru, cujo título por si dispensa maiores apresentações; ou Sequestro sangrento, com seu séquito de políticos corruptos, policiais desonestos e executivos inescrupulosos. Atemporal, portanto, a prosa de Hosmany.

Por fim, lembremos: tudo começou em Botafogo – da clínica ao crime. Ali, o futuro cirurgião-bandido-escritor sequestrador de aviões começaria modestamente “puxando” motos para o rolé adolescente. E assim o confessa, em O Cleptomaníaco – já zarpando na garupa do amigo delinquente “Ligeirinho”:

Vivíamos em Botafogo, na Rua das Palmeiras, esquina da Voluntários da Pátria. Seguimos até a praia. Atravessamos o túnel e, em menos de cinco minutos, estávamos na Avenida Atlântica sentindo o cheiro da maresia.

Lucio Valentim