5 vezes Ditadura
Agora sabemos que regimes de exceção vêm e vão. E que – conforme sabiam os antigos – nada, no quesito democracia, está efetivamente garantido.
Nossos militares, por exemplo, nunca largaram o osso do poder. E, já na primeiríssima República, o alcançaram, mediante golpe de Estado, claro! O primeiro golpe republicano, uma vez que a nobreza, com a famigerada campanha da maioridade, já havia armado o seu, catapultando o monarca menino ao poder, mantendo assim os vastos privilégios da casta.
A monarquia, contudo, embora vocifere vez ou outra – e ainda mantenha lautos privilégios –, jamais conseguira voltar ao poder; já os militares, que com frequência reivindicam o seu quinhão, com frequência o abocanham. E sempre pela força: quer seja de seus símbolos, quer seja de suas armas.
Em sua quintologia sobre a Ditadura no Brasil, Elio Gaspari nos prova que o regime passou por Botafogo. Com A Ditadura envergonhada, o primeiro da série, percebemos de cara, desde o discurso da Central do Brasil, a que língua interessava o Golpe:
O telefone tocou na mansão tropical do embaixador americano, na rua São Clemente, em Botafogo. Gordon tinha a televisão ligada e dois convidados na sala. Não entendiam uma palavra do que Jango dizia (…)
Assim, na sequência dos fatos, começamos a relembrar os sinistros episódios:
(…) algumas centenas de jovens foram encurralados no campo de futebol do estádio do Botafogo, a menos de duzentos metros de distância. Capturados na armadilha, viram-se rendidos, espancados e humilhados. Deitaram-nos nos gramados, obrigaram-nos a andar de quatro. (…) PMs urinaram sobre os presos.
Se envergonhada a quartelada já vinha quente, em A Ditadura escancarada, Gaspari apresenta um regime fervendo e vertendo escancaradamente seu ódio. Logo, a resistência se fez necessária. E parte dela passou pelo bairro, no Vulcabrás daqueles dois secundaristas de 20 anos, que planejaram por ali o estrondoso sequestro do embaixador:
Valdir e Vitor caminhavam numa manhã do início de agosto pela pequena e tranquila rua Marques, em Botafogo. Eram da Dissidência Universitária da Guanabara. Valdir vinha a ser Franklin Martins (…) Vitor era Cid de Queiroz Benjamin (…)
Nesse pormenor, é bom que se reflita fora do senso comum: sempre que o estado de direito é usurpado, mediante a força e a exceção, a luta para restituí-lo é, extrema e humanamente, legítima. A bala vinda do usurpador – então – será ferozmente ilegítima! Sobretudo porque, ao lado dos ilegítimos, sempre estará a força espúria, que promove ódios, armas e mortes, mediante mamatas e conluios entre empresas públicas, militares e civis endinheirados.
Conforme passagens de A Ditadura derrotada, era em Botafogo que conviviam, pois, alguns ungidos generais e seus financiadores:
(…) onde colocar o gabinete de Geisel depois de sua unção. Podia ir para um escritório na Petrobras, no palácio Tiradentes, no Monroe, ou para uma casa em Botafogo.Antonio Gallotti, presidente da Light, estava na sala de sua mansão da rua São Clemente. Convidara algumas dezenas de amigos para homenagear o jornalista John Oakes, ex-chefe da página editorial do New York Times. Velho liberal (…)
Em A Ditadura encurralada vê-se que, pelos desmandos da tortura, a ditadura, de fato, se encurralou – porém sem pau-de-arara ou cadeira-do-dragão. Por isso, seus representantes e mecenas, e seus iguais, continuam por aí, bem vivos:
Gallotti – Tony, para os íntimos – era presidente da maior empresa privada do país, a Light. Fascista (…), era um dos quinze filhos de um casal de imigrantes italianos que se assentara em Santa Catarina.(…) Sua mansão avarandada era um símbolo de força e volúpia: ficava na rua São Clemente, em Botafogo, ao lado do palácio do embaixador inglês (…)
Mas como a ignorância – literalmente – não tem classe, dentre vários relatos bizarros de A Ditadura acabada, nos inteiramos, por exemplo, de que o atacante Didi Pedalada, que até 1971 jogara no Internacional, tornara-se agente da repressão e sanguinário torturador.
O último título da série, lançado em 2016 – ano do último Golpe, com Supremo e tudo – traz apenas uma impropriedade histórica, conforme estamos perplexos assistindo (por que não lemos os antigos?): acabou nada!