Uma casa para o novo jornalismo
Ano passado, Botafogo ganhou um espaço cultural diferente: a Casa Pública, um centro para a produção, fomento, discussão e apoio ao jornalismo independente e inovador no Brasil e na América Latina. A Casa é mantida pela Agência Pública, uma ONG de jornalismo investigativo independente. Seu objetivo é fortalecer as iniciativas de produção de conteúdos de qualidade numa época em que surgem coletivos, sites e organizações que se propõem a produzir jornalismo fora da tradicional indústria de notícias. A proposta tem tudo a ver como o Curta Botafogo. Não havia como não despertar o nosso interesse.
Desde sua inauguração, no número 81 da rua Dona Mariana, a Casa Pública já recebeu jornalistas como Fernando Moraes, Glenn Greenwald, Jonathan Watts, Pedro Doria, Leonardo Sakamoto, Ricardo Melo e Tereza Cruvinel, na série de encontros chamada “Conversa Pública”.
No encontro com o jornalista Luis Nassif, no último dia 10, conhecemos a jornalista Natalia Viana, diretora da Agência Pública. Aproveitamos para bater um papo com ela, que retornava de uma cobertura de três semanas na Venezuela para produzir a reportagem “Venezuela sem fake news”. Natalia falou sobre a Agência Pública e sobre novos modelos de negócio em jornalismo.
“Um muro entre os leitores e as histórias não nos interessa. Meu objetivo não é existir, é contar histórias que se espalhem.”
Como surgiu a ideia da Casa Pública?
A gente vinha conversando havia muito tempo sobre a ideia de ter um centro de experimentação da profissão de jornalismo que não fosse um centro só de brasileiros, que fosse um centro internacional. O lançamento foi no ano passado, mas a gente levou mais de ano escrevendo o projeto e tentando obter financiamento. Porque a intenção era lançar a Casa Pública na época das Olimpíadas, aproveitando a presença de jornalistas do mundo inteiro.
A Casa Pública se encaixa em um dos nossos objetivos, que é fortalecer o jornalismo brasileiro, principalmente o jornalismo independente e, sobretudo, o jornalismo investigativo. A gente achou que ter um espaço onde as pessoas se encontrassem para conversar com jornalistas sobre projetos de inovação de linguagem e de fomento de novas iniciativas era algo necessário e inédito no Brasil.
As reportagens da Agência Pública são distribuídas para diversos veículos nacionais e internacionais de forma gratuita, por meio de licença Creative Commons. Como funciona esse modelo de negócio, e como a empresa remunera seus profissionais?
A Agência Pública é uma ONG financiada por grandes fundações. A Ford e a Oak são os financiadores institucionais. Além delas temos financiadores internacionais de ONGs ligadas à defesa dos direitos humanos.
Nosso foco é, justamente, a cobertura investigativa de temas relacionados aos direitos humanos e violações a populações: expulsões, conflitos de terra, presídios, segurança pública, megainvestimentos na Amazônia que expulsam populações tradicionais, remoções forçadas no Rio de Janeiro na época das olimpíadas, violações por empresas, como Odebrecht, Vale, Samarco, Sabesp… São mais ou menos os mesmos financiadores de ONGs como a Conectas e a Anistia Internacional. Além disso, a gente deve lançar, em agosto, um crowdfunding, e também tem planos de abrir para assinaturas do público.
Você acha que esse modelo de negócios tende a crescer com a concentração das grandes mídias?
Acho que sim. Quando a Pública foi lançada, em 2011, não havia outros sites independentes. Desde então, houve uma proliferação enorme, surgiram outros sites que estão ganhando muito espaço. Eu estou falando de sites independentes que focam em jornalismo. Porque o site do Nassif, por exemplo, sempre fez bom jornalismo, mas sempre de opinião. A gente faz questão de não ter opinião. Ao longo de seis anos, a gente deve ter publicado uns cinco textos de opinião, que eram textos de repórteres sobre temas que eles tinham coberto, só para contar como foi.
Depois do nosso site, apareceram muitos: Jota, Nexo, Brio e Colabora, que fazem jornalismo e reportagens e a Agência Lupa de checagem de fatos. Então eu acho que isso está em expansão. A questão que todo mundo está enfrentando é como financiar, de onde virá dinheiro para isso tudo. Se você tem uma operação pequena, consegue se sustentar mais facilmente. Uma operação maior é mais complicada. Não existem muitas oportunidades de financiamento público, e tem gente que não se interessa por eles. Por outro lado, há grupos que se encaixam mais, como a Pública, que é uma ONG voltada para direitos humanos. Existe um nicho do terceiro setor que funciona para a gente, mas não funciona, por exemplo, para o negócio de checagem de fatos.
A Agência Lupa, de certa forma, tem tido sucesso…
Mas a Lupa tem um modelo de negócios baseado em um grande investidor, o João Moreira Salles, e é um investimento inicial, um investimento-anjo, e ela vende o conteúdo produzido em copyrights. Então, é um modelo diferente que eles estão tentando. Já o Nexo aposta em assinaturas com paywall, que é uma coisa que a gente não faz. Em primeiro lugar, porque a gente é ONG, mas, principalmente, por convicção. Como cobrimos direitos humanos – que é uma coisa cara, leva tempo e que ninguém vai cobrir –, queremos que as reportagens sejam lidas pelo maior número de pessoas possível. Um muro entre os leitores e as histórias não nos interessa. Tanto que a gente não existiria se dependesse disso. Meu objetivo não é existir, é contar histórias que se espalhem. Primeiro, a gente pensa no objetivo e depois vê como financia um modelo desses.
Em que medida o selo Creative Commons facilita a disseminação das reportagens da Pública?
Facilita muito! No ano passado, nossas reportagens foram republicadas por 830 veículos brasileiros. Internacionalmente, somos republicados por cerca de 20 a 25 veículos, incluindo Al Jazeera, Washington Post, America’s Quartely e The Independent. Existe um grupo pequeno, que acredita muito em copyrights, que são os jornais mais comerciais. No papel, ainda tem um pouco de resistência, que acho que a gente já quebrou. Por exemplo, desde o ano passado, a gente está fazendo muita parceria com o Valor Econômico e com a Folha de São Paulo. O que é que você tem que fazer com eles? Precisa fazer uma edição exclusiva, porque eles não vão publicar a mesma coisa de todos os outros periódicos. Então a gente pega a matéria, edita e lança primeiro no Valor. Assim, dá para ampliar a divulgação também nos grandes veículos comerciais. Sem dúvida alguma, o modelo Creative Commons é muito bom para você espalhar as histórias. Depois que elas saem no site, meu objetivo é que o UOL ou um blogueiro de Itaguaí reproduzam com o mesmo nível de acesso.
Até agora você falou de projetos bem grandiosos. Como você vê as pequenas publicações de bairro, as mais setorizadas, e que caminho você vê para esse tipo de jornalismo?
Eu acho que o caminho para esses veículos é muito mais fácil do que para aqueles que têm pretensões nacionais. Aqui no Rio, por exemplo, existe um monte de grupos fazendo comunicação comunitária – como no Complexo do Alemão e em várias outras favelas – e que têm a sua sustentabilidade. Em muitos casos, é trabalho voluntário, mas, em outros, conseguem fundos governamentais ou fundos de ONGs. E estão se mantendo. Se você tem uma operação pequena, acredito que consiga financiamento e apoios da própria comunidade. Eu nunca tentei, mas, com dois repórteres ganhando R$ 3 mil cada, dois estagiários e dois voluntários, você já tem uma redação. Um custo de aproximadamente R$ 10 mil reais. Existe muito jornalismo-cidadão, muita gente se voluntariando. Eu acho o jornalismo local mais fácil. Eu não sei se tem muita gente tentando ou se tem gente tentando e a gente não está vendo. Porque esses grupos das favelas estão aí faz tempo.