Um arquiteto de duas cidades
Caminhando pela rua Real Grandeza, lá pela altura da rua Miranda Valverde, a gente se depara com a entrada do Condomínio Jardim Montevideo sem imaginar o lugar aprazível que existe para além da cancela. E pensar que um dos arquitetos mais importantes do país, considerado mestre do art déco – estilo de formas geométricas e design abstrato que antecedeu ao modernismo –, teve como primeiro projeto um conjunto de 24 casas e o parque central daquela vila, quando nem arquiteto formado era!
Elisiário Bahiana precisou interromper o curso de engenheiro-arquiteto em 1911, aos 20 anos, para trabalhar. E foi contratado para projetar a vila pelo oficial da Marinha Elisário Pereira Pinto, seu primo por parte de mãe. Projetadas em estilo eclético, comum na época, as casas do Jardim Montevideo têm um detalhe curioso na entrada: um busto feminino, que – há quem diga – foi posto lá em homenagem a um amor do oficial da Marinha. Após 1937, quando a legislação municipal proibiu a construção de novas vilas, os conjuntos de casas do Jardim Montevideo foram transformados, aos poucos, em prédios de apartamentos. Hoje a vila é composta de seis blocos de casas de quatro apartamentos, dois blocos de prédios com 16 apartamentos cada e um bloco de prédio com 16 apartamentos, que fica no centro da vila em frente ao acesso principal. O conjunto é considerado a maior vila da cidade.
Exímio desenhista e aquarelista, Elisiário Bahiana foi contratado, no ano seguinte à execução de seu primeiro projeto, como desenhista da Diretoria de Obras Hidráulicas e Construções Civis do Arsenal da Marinha, na Ilha das Cobras. Ficou lá até 1916, quando passou a desenhista da Estrada de Ferro Itapura-Corumbá. Só retornou aos estudos em 1918, casado e com dois filhos. Um de seus colegas de classe era Lúcio Costa (1902-1998), que, mais tarde, projetaria Brasília. Bahiana formou-se em 1920 como primeiro da turma nos últimos três anos do curso.
Algumas das principais construções de São Paulo – marcos da cidade, como o edifício Saldanha Marinho (1930), o Viaduto do Chá (1934) e o prédio do Mappin (1937) – saíram da prancheta do arquiteto carioca Elisiário Bahiana. Ele também assinou, em parceria com o francês Joseph Gire, o projeto do edifício do jornal A Noite (1922), na Praça Mauá, no Rio de Janeiro, o primeiro arranha-céu em concreto armado do mundo quando concluído, em 1928.
Embora extremamente talentoso e produtivo, Bahiana era do tipo low profile, quase um pecado mortal em um meio que valoriza a genialidade – verdadeira ou não. Sempre trabalhou muito, mas era avesso à badalações. Referia-se a si mesmo como “desenhista de construtora” – muitos projetos ele nem assinava –, o que lhe garantia o sustento, ainda que em condições modestas. Quando morreu, em 1980, em São Paulo, morava no Edifício Carmen Lopes, prédio de 1928 com elementos art déco projetados por ele.
Suas construções na capital paulista romperam com o academicismo e abriram passagem para a chegada do modernismo. Bahiana era grande, mas aparecia pouco, um tanto assim quanto seu primeiro projeto – da vila do Jardim Montevideo, em Botafogo – a maior do Rio por dentro, mas que poucos sabem da existência.