Último baile

Último baile

Ali pelo início do século passado, era comum escritores ao alcance de alguma inspiração – e muita notoriedade – buscarem cidades repletas de névoas e tradições artístico-literárias para viverem e gestarem suas cenas primas, seus projetos de futuro: ora era Paris, ora Londres; ora Lisboa, ora Rio.

Considerando-se que, pela natureza ímpar de poetas e artistas em geral, os países e cidades são escolhas não apenas de vida, mas também de morte, a Cidade Maravilhosa serviria de inspiração para grandes nomes das letras – locais e universais.

Lembremos, então, que Stefan Zweig, ilustre personalidade literária europeia de sua época, escolhera o Rio de Janeiro para viver algumas das mais impactantes de suas experiências humanas – e poéticas.

O autor de Brasil: um país do futuro assim descreve sua triunfal entrada de navio na cidade,

lá pelos idos de 1936:

De manhã cedo, já todos os passageiros esperam com impaciência e curiosidade, a bordo, munidos de binóculos e câmaras; ninguém quer perder a ocasião de ver a entrada famosa do Rio de Janeiro, mesmo aqueles que já a conhecem de muitas viagens.

Tão animado vinha – e embebido em sua descrição do que via de tropical na cidade – que nada indicava o futuro e trágico episódio lá na serra de Petrópolis, pouquíssimos anos depois:

(…) uma exalação pesada vem voando imperceptivelmente, conglomerada, nas profundidades dos bosques imensas, do hálito das plantas e da umidade dos cálices, aquela exalação das regiões tropicais, indescritível, quente, mormacenta, como o vinho em fermentação, que de maneira ensurdecedora, nos torna ébrios e cansados ao mesmo tempo.

Diferentemente do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss – que comparara a entrada da baía a uma “boca banguela” –, o austríaco Zweig, antes mesmo de vislumbrar aquela que considerou a mais bela enseada do mundo, apostaria toda a esperança nas cores e coisas vistas aqui:

(…) uma série de montanhas que com braços estendidos protege uma das maiores baías do mundo, a bela baía de Guanabara. Todos os navios de todas as nações caberiam aí ao mesmo tempo, tão vasta e grandiosa ela é, abaulando-se com suas múltiplas enseadas e promontórios.

E, no espaço de tempo entre seu encantamento com a metrópole e o seu voluntário desaparecimento na serra de Petrópolis, o grande escritor Stefan Zweig ainda destilaria comentários – tanto poéticos quanto críticos – sobre a história pregressa que engendrou no coletivo imaginário a cidade e a serra, no leito de morte de Zweig:

Ainda é preciso passar o Pão de Açúcar, que impede a vista; somente então é que se vê a cidade maciça e branca, olhando para o mar e deslizando nas alturas verdes. Veem-se os jardins públicos das praias, recentemente feitos, e o campo de aviação, que há pouco tempo foi ganho do mar. Já vamos atracar e a impaciência será satisfeita. Mas não! Era novamente um erro. Desta vez é a enseada de Botafogo (…)

Seu último baile:

(…) ainda é necessário passar a ilha da marinha e aquela outra pequena com o palácio gótico, onde o imperador D. Pedro, dois dias antes de sua deposição deu, sem nenhum pressentimento, o último baile.

Zweig e a esposa Lotte (direita) durante evento no Clube Botafogo

Lucio Valentim