Triângulo amoroso no high society

Triângulo amoroso no high society

“Em sociedade tudo se sabe”, dizia Ibrahim Sued, o mais famoso colunista social de seu tempo. Nascido em uma família pobre de Botafogo, em 1924, Ibrahim soube cultivar amizades e tirar partido da vaidade humana. De sua mesa cativa, na entrada da piscina do Copacabana Palace, o jornalista preparava sua coluna, que publicou, entre 1954 e 1995, no jornal O Globo: ele escrevia “bola branca” para alguém ou algo que o agradasse, “bola preta” para o oposto; fazia a lista das dez mais – as mais elegantes, as mais bonitas e as principais anfitriãs – e, invariavelmente, escrevia “Bomba, bomba, bomba!” para dar algum furo de reportagem. 

Quando jovem, o jornalista foi companheiro de boemia de gente influente – o “café society” do Rio de Janeiro, como dizia. Um desses amigos de copo era o playboy Jorginho Guinle, herdeiro de uma das famílias mais ricas do país. Embora não tivesse conhecido o patriarca Eduardo Palassin Guinle (1846-1912), nem o sócio dele Cândido Gaffrée (1844-1919) ou a esposa de Eduardo, Guilhermina Coutinho da Silva Guinle (1854-1925), Ibrahim certamente sabia que Guinle e Gaffrée se conheceram no Sul. Eduardo, filho de franceses que se casaram em Montevidéu e depois migraram para o Rio Grande do Sul, fez amizade com Cândido, gaúcho de Bagé. Os dois fizeram fortuna, inicialmente, com um armazém, no Porto do Rio de Janeiro. Foram diversificando, investindo na construção de estradas, de ferrovias, e nos setores imobiliário e financeiro. Mas o maior negócio de Gaffrée e Guinle foi conseguir a concessão – sem licitação e pelo prazo de 92 anos – para a exploração comercial dos 4.000 m² de armazéns do Porto de Santos, o que passou a render aos sócios cerca de 24 bilhões de dólares por ano.

Eles eram “caixa alta”, como Ibrahim chamava os ricos de verdade. E, quando se tem tamanha fortuna, tudo é permitido. Sabia-se, nas altas rodas, que a sociedade de Gaffrée e Guinle ia bem além dos negócios propriamente ditos. Eduardo, Cândido e Guilhermina moravam juntos no suntuoso palacete da Enseada de Botafogo. Os sócios dividiam o leito de Guilhermina. E mais: dos sete herdeiros do casal, três deles – Carlos, Arnaldo e Celina – seriam filhos de Cândido Gaffrée. A família nunca pareceu se importar. Jorginho Guinle dizia: “Guinle bonito é Gaffrée. Com nariz grande é Guinle”. Gente rica é assim. “Sorry, periferia”.

Se a dupla Gafrée e Guinle soube fazer fortuna, seus herdeiros souberam gastá-la ao longo de cerca de 70 anos. O último grande patrimônio da família – o Banco Boavista – foi vendido para um grupo de investidores em 1997.

O palacete da Praia de Botafogo fora vendido bem antes, em 1937, para sediar a embaixada da Argentina. Com a mudança da capital, o prédio foi novamente vendido em 1972 e, demolido em 1979. Dele restaram apenas as palmeiras centenárias que ornam o Centro Empresarial Rio – Edifício Argentina, erigido em seu lugar. Outro palacete – dos Guinle Paula Machado –, localizado na rua São Clemente 213, foi vendido em 2011 para a Firjan – Federação das Indústrias do RJ.

Restaram, ainda, no bairro, como homenagem, as ruas Guilhermina Guinle e Eduardo Guinle, uma continuação da outra. Quanto a Cândido Gafrée, foi virar nome de rua um pouco mais distante, no bairro da Urca, talvez para manter as aparências, que, como nós e Ibrahim sabemos, é preocupação de gente “caixa baixa”. “Ademã, que eu vou em frente, de leve”.

Antonio Augusto Brito