Sementes do bem
Andar pelas ruas de Botafogo e encontrar plaquinhas coloridas, presas nas árvores com palavras positivas como “justiça” ou “admiração”, ou mesmo com uma simples mensagem de “bom dia”, é muito gostoso. E a gente tem de valorizar quem contribui para que as ruas sejam mais simpáticas e amigáveis.
O que percebo nas minhas andanças pelo bairro em que moro há décadas é que há pessoas trabalhando em pequenos grupos ou mesmo isoladamente para que o bairro não perca nunca seu espírito acolhedor e amistoso.
São os idosos nas aulas de ginástica nas academias da terceira idade espalhadas pelo bairro, são as crianças retomando as brincadeiras nas praças. São as bandas que enchem os espaços públicos de música nos horários de saída do trabalho. São pais se unindo para criar atividades lúdicas para seus filhos ou organizando festas e mesmo simples piqueniques nas praças.
São iniciativas como a do Chagas na Praça Radial Sul, que incluiu em seu quiosque de plantas uma biblioteca comunitária, para a qual os moradores do entorno doam livros e de que leitores de todas as idades podem usufruir.
Ou outras como a de Elias Duarte, guia turístico do coletivo Santa Marta, que adotou um canteiro da Praça Corumbá – antes abandonado e cheio de lixo – e o transformou numa horta comunitária, onde já podemos ver pés de alface e tomate.
A disposição de Elias é tanta que ele está sempre pronto a ensinar a qualquer interessado como plantar em casa e ter sua própria horta. Além disso, vira e mexe, ele promove oficinas para as crianças começarem a tomar gosto por plantar também.
E hoje, um lindo domingo de outono, descobri o trabalho de Wagner Ferraz, um paulista de Diadema que cresceu vendo o trabalho da mãe num centro comunitário, onde desenvolveu várias habilidades manuais – como marcenaria e pintura. Mais do que ter encontrado um meio de ganhar a vida, descobriu um meio de fazer a vida ganhar sentido!
Ao mesmo tempo em que ele está fazendo acabamento num imóvel, ensina moradores de rua e desempregados a criarem objetos e equipamentos públicos com materiais retirados do lixo – sejam das caçambas, das lixeiras ou mesmo largados nas ruas pelos moradores menos civilizados.
Ele transforma lixo em beleza e utilidade, assim como também transforma a vida ao seu redor. O quiosque de flores de Irineu e Ivan, por exemplo, foi reformado por ele com materiais coletados do lixo e doações, caso das ripas que fizeram o forro do teto, dadas por Clarice Peixoto, gerente do vizinho Café do Visconde.
Denílson, que mora há seis meses ali do lado, na Praça Joia Valansi, trabalhou com Wagner e, com o que ganhou, comprou balas, pacotes de amendoim e biscoitos para vender. Em pouco tempo, juntou dinheiro e já vai conseguir pagar um aluguel no Jacaré, para onde vai se mudar com a esposa Stephanie e Charles, o cãozinho que adotaram. O casal está fazendo planos para deixar de morar na praça. Rua agora só como local para vender suas mercadorias.
Contratado para fazer o acabamento do restaurante Temperado, no início da rua Visconde de Ouro Preto, Wagner resolveu aproveitar as vigas de madeira do telhado do prédio onde mora – e que estava sendo reformado – para fazer bancos, cercando os canteiros de árvores da rua. Fez um, dois, e já estimulou o restaurante vizinho a abraçar a causa e plantar flores no canteiro que ele cercou com os bancos de madeira.
Wagner transforma vigas de telhado em bancos na rua Visconde Ouro Preto
Isso é que é promover transformações! Transformar objetos, lugares, vidas. Ele agora está procurando um local para guardar todo o material coletado e doado – portas, telhas, vigas de madeira, portões de ferro, etc – e onde possa oferecer gratuitamente oficinas de reutilização de material, com aulas de marcenaria e pintura.
A ideia de Wagner é simples: usar o lixo da rua para embelezar a própria rua. Tão simples, mas com tanta energia boa, que vai semeando beleza pelo caminho.
Vi na página do Coletivo Abrigo no Facebook o que Wagner é capaz de criar e já estou preparada para acompanhar tudo o que ele vai fazer pelo bairro, tarefa que eu e Augusto prometemos compartilhar com todos que, como nós, curtem Botafogo.
Que todo mundo possa encontrar inspiração para transformar medo em ocupação, sujeira em beleza, lamento em atitude. Estaremos juntos. E misturados!
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