Roda da Fortuna
Os gregos criam nas Moiras: irmãs tecelãs dos fios da vida, a determinar o destino humano.
Quer se creia, quer não, há destinos que são implacáveis.
Vindo lá do interior das Alagoas, de um pacato lugarejo chamado Palmeira dos Índios, Graciliano Ramos seria um dos mais astutos e sutis observadores do Rio Belle époque. Embora a sua prosa figure como expoente do chamado regionalismo de 30, juntamente à de Rachel de Queiroz e de Jorge Amado – por exemplo –, é da grande metrópole carioca que o jovem Graça retiraria fôlego para o grosso de sua obra.
Tímido provinciano, Graciliano chegara à cidade nos idos de 1914, direto para uma pensão na Lapa. E logo sentiria o drama da vida literária na capital da República:
“O pobre diabo que for tímido, que não declarar que é um gênio é uma pessoa morta”.
Porém, as Moiras teciam seu destino na Roda da Fortuna. Embora Graciliano voltasse no ano seguinte para Palmeira dos Índios mais cabisbaixo ainda – e decepcionado –, a curta permanência no Rio traria inspiração para o seu terceiro romance, conforme confessaria tempos depois:
“A pensão do largo da Lapa está em Angústia. Dagoberto foi meu vizinho de quarto”.
Vinte anos passados, três romances publicados, o velho Graça regressaria à cidade. Não mais como diletante escritor, mas agora prisioneiro, por participar do levante comunista de 1935. E direto para o Catumbi, presídio Frei Caneca.
As Moiras – da vida e da morte – uma vez mais decidiriam que, depois do cárcere, Graciliano do Rio de Janeiro jamais sairia.
Bom andarilho, por aqui registrara, em crônicas quase inéditas ainda, sua crítica e rara observação do país e da cidade:
“Rua Voluntários da Pátria, bonito nome. Não morava aqui o Oswaldo Cruz? É, morava. Que bagunça, pai do céu! Tempo esquisito! Berros no Congresso, artigos medonhos, fuzuê, gente morrendo por causa da vacina. A imprensa é razoável, somos todos razoáveis, e os discursos, no rádio, perderam a eficácia. Parada no Pavilhão Mourisco, cinco minutos junto à fonte vazia e suja. Bem. Isto por aqui deve ser Botafogo, não? Leituras antigas auxiliam o provinciano. Antigas e recentes. Botafogo, sem dúvida (…)”
E foi aqui nesta cidade que toda a sua genialidade narrativa, de fato, brotou:
Vidas Secas, em um quarto de pensão, no Catete;
Num apartamento da Tijuca, germinaria Infância.
Transcorridos mais vinte anos – agora em Laranjeiras –, prender-se-ia finalmente às suas Memórias do Cárcere: romance último, a coroar-lhe a carreira romanesca, trazendo estabilidade literária e notoriedade nacional. Era o ano de 1953. Contudo, já debilitado, Graciliano Ramos morreria naquele mesmo ano, aos 60 de idade, numa casa situada na Praia de Botafogo.