República de Botafogo
Houve um tempo em que jornalistas eram bem credenciados; fontes eram preservadas; medias mediavam; news que eram fakes não se sobrepunham aos fatos; e até políticos mantinham algum quê de hombridade.
Mas galinhas não tinham dentes. E tampouco marrecos falavam.
No tocante à política tupiniquim – ainda que outrora adornada por inteligências capazes de ir bem além de simples conversões monetárias referentes à compra de bijous de nióbio, ou da pronúncia correta para o equivalente jurídico de consorte – pouca coisa mudou.
O jornalista Sebastião Nery, em Folclore Político, traz passagens hilárias das mirabolâncias políticas da nação.
Logo nas primeiras histórias, lembramos que Juscelino fora seminarista e que a expressão “o petróleo é nosso” tinha sido cunhada em 1953, por estudantes mineiros em passeata. Por exemplo.
Ficamos sabendo também que, nos moldes de JK, já houve vida inteligente na política nacional. E parte dela passou pelo bairro carioca:
Na rua Dona Mariana, Botafogo, Rio, vestido de imensas árvores, um casarão solene abrigou outrora uma das mais poderosas inteligências políticas do Brasil: o professor Santiago Dantas.
Dantas fora Ministro da Fazenda.
Conta Nery, dentre mais de 1.500 fantásticas histórias de bastidores da República, que as vísceras da conspiração militar de 1964, envolvendo todos os canalhas da época, começara já no primeiro dia do governo JK.
E, num tempo em que jornalistas investigativos protagonizavam a história, o autor de Folclore Político estaria visceralmente envolvido em outra tramoia – e que passaria também pelo bairro:
O pretexto era lutar contra Lacerda. Mas, quando eu li o projeto, compreendi, imediatamente, que o estado de sítio era contra nós. Telefonei para o Santiago Dantas. Morávamos perto. Eu na Voluntários da Pátria, ele na Dona Mariana.
Sebastião Nery nos revela que o ministro Dantas, antes de assumir a pasta, foi sondado pelo presidente sobre qual seria sua preferência – Fazenda ou Justiça:
(…) prefiro a Fazenda. Pela Constituição, o Ministério da Justiça é a pasta da política e da segurança. Mas hoje, está transformado no Ministério das Naturalizações (…) Não quero ser o ministro das Naturalizações.
A desordem total da Justiça, refletida na desilusão crítica de políticos escrupulosos, é ponto central dos relatos finais do livro.
E onde ministros de Justiça e Fazenda, naquele então, sentaram-se para atestar a impotência – em resenha hoje quase sexagenária – de nossa triste República?
(…) foi ali, no casarão solene da Dona Mariana, que, em 1963, já doente, Santiago recebeu a visita do Ministro da Justiça (…), Abelardo Jurema. Cansado, amargurado, desiludido com a incompetência dos dirigentes nacionais (políticos, econômicos e militares).