Quem foi rei nunca perde a majestade
A rua Real Grandeza resistiu, com apoio popular, às várias tentativas de mudança de nome para ocultar a inspiração monárquica. Em 1826, ela foi inaugurada com esse nome pelo rico proprietário de terras Joaquim Batista Marques Leão. A partir da República, no entanto, tentou-se apagar o passado real. Às vezes, até reverenciando algum figurão republicano. Mas os nomes nunca emplacaram.
O nome “rua da Real Grandeza” – ou, simplesmente, “rua Real Grandeza” – foi uma homenagem de Joaquim Marques Leão a D. João VI, rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves entre 1816 a 1822. Com a inauguração da Real Grandeza – e também da Nova de São Joaquim, atual Voluntários da Pátria – em 1826, Marques Leão dava início ao processo de urbanização do bairro, abrindo vias de circulação para atrair serviços e comércio para Botafogo.
E, de fato, foi o que aconteceu. A população cresceu, e, com ela, veio o transporte coletivo, a partir de 1867, por meio de bondes com tração animal da Companhia Jardim Botânico. A Real Grandeza foi, desde o início, uma das principais vias de transporte de Botafogo e ajudou a levar para o interior do bairro o comércio que antes se concentrava nos arredores da estação de barcas, na Enseada de Botafogo, em frente à rua São Clemente.
O golpe da República e a caça aos símbolos da Monarquia
Após o golpe militar que extinguiu a Monarquia em 15 de novembro de 1889, os primeiros atos dos novos donos do poder buscaram eliminar os símbolos do antigo regime, como a bandeira, o hino nacional e até mesmo os nomes de ruas! E foi assim que a rua Real Grandeza virou rua Sergipe. E, alguns anos depois – por um breve período – virou rua Almirante Wandenkolk, em homenagem ao ministro da Marinha do primeiro governo republicano. Mas não houve jeito de a população aceitar as mudanças. Assim, da mesma forma que os nomes haviam sido mudados, o prefeito do Distrito Federal Amaro Cavalcanti, em um novo decreto de 1917, tornou sem efeito o nome “rua Sergipe” – e de várias outras ruas da cidade –, restabelecendo boa parte dos nomes antigos. Na justificativa, ele escreveu: “Os nomes tradicionais, que o povo repete a cada instante, foram mudados por outros, que só existem nas placas”. Em resumo: os nomes não “pegaram”.
Em 1932, os republicanos voltaram à carga em nova tentativa de mudança do nome. Pelo decreto 6.065, de 6 de janeiro, a rua Real Grandeza passou, então, a se chamar rua Demétrio Ribeiro em homenagem a outro ex-ministro de Deodoro da Fonseca. Novo fracasso retumbante. Tanto que o nome Real Grandeza voltou em 1937, para nunca mais mudar.
A Real Grandeza permanece como uma das principais vias de acesso de Botafogo, inclusive para o bairro de Copacabana, desde que foi inaugurado o Túnel Real Grandeza, em 1892. Mais tarde, o túnel passaria a se chamar Alaor Prata, nome de um prefeito do Rio. Para variar, o nome não pegou, e hoje o túnel é popularmente conhecido como Túnel Velho. Na Real Grandeza, não se veem resquícios da arquitetura típica do período monárquico, tampouco o fausto das mansões da São Clemente. Apenas serviços e o pequeno comércio de rua, herdeiro do primeiro comércio do bairro, tornado possível por Marques Leão e outros investidores privados. Para nos lembrar de que um dia houve um Brasil monárquico, há a Capela Real Grandeza do Cemitério São João Batista; o Real Hotel e – talvez como provocação – a Confeitaria Imperial, a mais antiga do bairro, inaugurada em 1932, em plena República, pelos portugueses Albino, Clarêncio e Manoel. Antes da Imperial, havia a famosa Padaria Bragança – nome da dinastia da família real –, que também foi fundada por um português – Albino Costa – e funcionou de 1922 até 1978. Os comerciantes talvez sentissem saudades dos tempos em que ministros do Império passavam de bonde pela Real Grandeza a caminho do Paço Imperial. Ou talvez tenham escolhido os nomes dos dois estabelecimentos por tradição, aqueles saberes que, transmitidos de geração em geração, nos dão conforto e um sentido de pertencimento.