“Pai do Automobilismo” em Botafogo

“Pai do Automobilismo” em Botafogo

Santos Dumont, os primeiros automóveis e a criação do Automóvel Clube do Brasil na Praia de Botafogo

Que o mineiro Alberto Santos Dumont é considerado o Pai da Aviação qualquer criança sabe. O que poucos sabem é que o inventor era também um entusiasta do automóvel, máquina que conheceu em Paris, em 1891, quando tinha apenas 18 anos.

Fascinado pela mecânica do novo invento, Santos Dumont foi o primeiro importador de automóveis para o Brasil. É dele também o título de primeiro piloto brasileiro a participar de uma corrida internacional de automóveis, na França, em 1894.

Pioneiros

Nos primórdios do automobilismo no Rio de Janeiro, contavam-se nos dedos os donos de automóveis na cidade. José do Patrocínio, abolicionista e proprietário de jornal, era um deles. Ele havia sido apresentado à nova máquina pelo próprio Santos Dumont em Paris, em 1892. E retornou à capital federal entusiasmado com sua aquisição: um triciclo “Gardner-Serpollet” (foto) a vapor de 8 hp:

“Trago um carro a vapor… o veículo do futuro, meus amigos. Um prodígio! Léguas por hora. Não há aclives para ele: com um hábil chauffeur, vai pelo Corcovado acima, garanto a vocês, como um cabrito. Em meia hora faremos o trajeto do Largo de São Francisco ao Alto da Tijuca. Imaginem! É a morte de tudo – dos tílburis, dos carros, do bonde…até da estrada de ferro. Ficamos senhores da viação. É a fortuna!”

O carro de José do Patrocínio seria protagonista do primeiro acidente de automóvel de que se tem notícia no país. E o responsável foi o poeta Olavo Bilac, a quem o amigo José do Patrocínio dava aulas de direção.

O escritor Coelho Neto narrou o episódio:

 “O carro saiu na manhã de domingo. Saiu com estrondo espalhando o medo e pânico entre os pacatos moradores da rua de Olinda (atual Marquês de Olinda, Botafogo), com seus roncos, com os seus bufos e o estridor das ferragens (…) E lá ia o monstro. Quando aquilo passou pelo Catete, um fragor espantoso, desencravando os paralelepípedos da rua, como se as próprias pedras fugissem (…). Patrocínio insistia com o motorista para que desse mais pressão, e o poeta (Bilac) sorria desvanecido guiando a catástrofe através da cidade alarmada. Por fim, num tranco, o carro ficou encravado em uma cova, lá para as bandas da Tijuca, e, para trazê-lo ao seu abrigo, foram necessários muitos bois e grossas correntes novas. Enferrujou-se. Quando, mais tarde, o vi, nas suas fornalhas dormiam galinhas. Foi vendido a um ferro velho”.

Mas o primeiro automóvel de motor à explosão do Rio pertenceu a Fernando Guerra Duval, então estudante de engenharia, irmão de Adalberto Guerra Duval, que havia sido embaixador do Imperador D. Pedro II na corte do czar da Rússia. O carro de Guerra Duval, que morava em um palacete em Botafogo, era um “Decauville”, com motor de 2 cilindros, importado em 1890. O carro era aberto, sem capota. O escapamento era livre e fazia muito barulho. Em lugar do volante, a direção tinha forma de guidão de bicicleta. Quando faltava combustível, Guerra Duval, abastecia nas farmácias com benzina.

O carro de Guerra Duval

Em 1901, a bordo do Decauville, Guerra Duval fez a primeira viagem de carro de Petrópolis a Juiz de Fora, levando quatro dias para completar o trajeto. No mesmo ano, foi também o primeiro piloto a vencer uma corrida de automóveis no Rio de Janeiro, contra um certo Sr. Cardea. O trajeto da corrida foi da Praia de Botafogo até a antiga rua Barroso (atual Siqueira Campos), em Copacabana; e o prêmio, uma garrafa de champagne.

Automóvel Clube do Brasil

Os pioneiros fizeram a sua parte, mas era preciso evoluir para que os automóveis se tornassem um meio de transporte: não havia estradas apropriadas, leis de trânsito e sequer havia postos de gasolina!

Para atender a essas necessidades, por sugestão de Santos Dumont, foi fundado, no dia 27 de setembro de 1907, o Automóvel Clube do Brasil (ACB) na Praia de Botafogo 308, endereço da antiga sede do Clube de Regatas Guanabarense*.

Entre os fundadores do ACB, destacam-se José do Patrocínio, Olavo Bilac, Fernando Guerra Duval e Álvaro Fernandes da Costa Braga, além do próprio Alberto Santos Dumont.

O clube tinha como objetivo principal “fomentar a cultura automobilística como meio de transporte, lazer e esporte”.

Menos de quatro anos depois da fundação do clube, a Capital Federal já possuía 908 veículos. Surgia a demanda por novos motoristas – os chamados chauffeurs. O ACB trouxe, então, profissionais da Europa para ensinar direção e mecânica. Graças ao esforço dos associados, foram criados o primeiro posto de combustível, a primeira autoescola, a primeira oficina mecânica e a primeira revista sobre automóveis.

Como não havia departamento de trânsito, cabia ao clube regulamentar o automobilismo no país, criando as normas de trânsito de automóveis e pedestres.

Outra atividade importante do ACB era a organização de exposições e corridas de automóveis.

A 1ª Exposição de Automóveis do Rio de Janeiro, realizada em 1925, teve a presença de fabricantes de automóveis norte-americanos e europeus – Ford, General Motors, Chrysler, Gray, Packard, Hudson, Itala, Lancia e Voisin – e atraiu milhares de visitantes. O destaque ficou para a Ford, que instalou uma linha de montagem completa de seus modelos T, onde produziu dezenas de veículos durante os 15 dias do evento. As exposições foram interrompidas depois do crash da bolsa de Nova York, em 1929.

Grande Prêmio de Automobilismo

Circuito de corridas de Botafogo

No dia 8 de outubro de 1933, o ACB criou o 1º Grande Prêmio do Rio de Janeiro, batizando-o de “Circuito da Gávea”. Com ele, o país entrou na agenda das grandes competições Internacionais.

Mas Botafogo também fez parte dessa história. Em 1956, foi disputado o 1º Circuito Automobilístico de Botafogo, com a presença de 30 mil espectadores aglomerados junto ao meio-fio. O circuito tinha três quilômetros. Começava na avenida Rui Barbosa e margeava a Enseada de Botafogo. Antes de chegar ao túnel do Pasmado, virava à direita e prosseguia até passar em frente ao antigo cinema Guanabara. Entrava na Avenida Pasteur em mão inglesa, passando sobre a ponte e chegando ao final da Praia de Botafogo, onde era feito o retorno à esquerda, pegando a mão correta do trânsito para descer em frente ao Clube Guanabara e regressar ao ponto de partida.

Uma característica daquelas disputas era que não havia divisão em classes de veículos: corriam desde carros americanos mais antigos a carros esportivos novos, como o Jaguar, e até mesmo um VW Sedan – o Fusca. O circuito de Botafogo foi vencido por Arthur de Souza Costa Filho, pilotando uma Ferrari. Ele completou as 15 voltas em 27min26s6, com 11 segundos de vantagem sobre Gilberto Machado, chegando Álvaro Varanda em terceiro.

O ACB – que, em seu auge, chegou a ter mais de 500 mil membros – perdeu importância a partir dos anos 1980/1990, quando as seguradoras e as administradoras de cartões de crédito começaram a oferecer serviços de reboque e socorro mecânico, antes exclusivos dos automóveis clubes.

Hoje o Automóvel Clube do Brasil dedica-se à organização de exposições de carros antigos e à preservação da história do automobilismo brasileiro. Uma bela história que começou nas ruas de Botafogo.

Antiga sede do Automóvel Clube do Brasil, na Praia de Botafogo

Antonio Augusto Brito