Onde está Waly?
A crítica tradicional estabeleceu uma subdivisão entre poetas de livro e poetas de música, atribuindo a uma e outra formas poéticas algum juízo de valor: o que vale mais, a poesia feita para ser simplesmente lida ou aquela que só funciona quando cantada?
Primeiramente, não se deve esquecer o fato de que poesia e música são Artes coirmãs e sempre caminharam juntas. E que, no referente à nossa contemporaneidade, há poetas convencionais que conseguem conferir altíssima qualidade poética à canção. Foi assim, por exemplo, com Vinicius de Moraes, outrora considerado um dos maiores sonetistas em língua portuguesa – e que encheu de poesia a chamada MPB.
Antônio Cícero, autor dos versos “(…) o inverno no Leblon é quase glacial”, clássicos na voz de Calcanhotto, e Geraldinho Carneiro, que dissera um dia, na inflexão da Barca do Sol: “Oh, Lady Jane, respira o cheiro dos esgotos no chão (…)” acabam de vestir a imortalidade do fardão da Academia Brasileira de Letras. Logo – gostemos ou não –, a questão do início fica aqui irrevogavelmente respondida.
O sírio-baiano Waly Salomão – morto aos 59 anos – encaixa-se neste perfil.
Autor de canções eternizadas por Gal, como Vapor barato e Mal secreto, Waly produziu também boa poesia. É o caso de Gigolô de Bibelôs, ou de Algaravias – obra com a qual, inclusive, abocanhou o Prêmio Jabuti de 1997.
De acordo com o velho parceiro Jards Macalé, muitos desses poemas foram lapidados em andanças de Waly por Botafogo:
Amigo de Caetano, apareceu lá em casa, em Botafogo, na Teresa Guimarães, casa 9, pequena vila onde eu morava. Expansivo, falando alto, gestos largos, um furacão em fina inteligência, de cara me deu a letra de Anjo Exterminado.
O próprio Jards faz a entregação do mal secreto que circunda e fomenta parte da horta poético-musical de Salomão:
(…) foi preso em São Paulo com uma bagana…uma baganinha no bolso (…) eu morava no Rio, em Botafogo (…) ele estava sempre lá em casa, com Torquato, com Rogério Duarte (…) e um dia ele trouxe a letra de Vapor barato. Que tem dois sentidos (…)
E são, por fim, de Gigolô de Bibelôs os versos que postumamente localizam e circunscrevem no Rio o território lírico e a grandeza dessa voz poética emergente lá do interior de Jequié, Bahia,
Ah vale a pena ser poeta
escutar você torcer de volta a chave
na fechadura da porta
mas que um dia migrou para o mundo urbano e coloquial da poesia
abra abra a porta
volte e veja:
não digo com certeza
para revelar – com fingimento e artifício – seu eu lírico-carioca:
desde o berço conservo o mesmo endereço:
moro na rua Real Grandeza