O Velho Guerreiro já morou em Botafogo

O Velho Guerreiro já morou em Botafogo

Neste ano em que se comemora o centenário de nascimento do comunicador José Abelardo Barbosa de Medeiros, famoso como Chacrinha, vale registrar que ele morou em Botafogo, lá pelo ano de 1946. Quatro anos antes, trabalhando de faz-tudo na pequena Rádio Club Fluminense de Niterói, ele havia tido a ideia fazer um programa noturno de sambas e marchinhas de carnaval. Parecia loucura, pois, até então, a programação noturna das rádios cariocas era feita para o ouvinte dormir bem, ao som de música clássica e declamação de poesias. Mas a nova atração deu certo!

Bem sucedido com seu Cassino da Chacrinha, o apresentador estava longe de colocar o boi na sombra. Corria atrás de anunciantes e, frequentemente, trabalhava em mais de uma rádio ao mesmo tempo, para complementar o orçamento. Naquela época, sua mãe D. Aurélia Barbosa, que morava em Recife com outros filhos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde abriu uma pensão no bairro de Botafogo. As relações entre Chacrinha e a mãe estavam estremecidas desde que ela se cansou do marido beberrão e mulherengo e se mandou com os filhos de Caruaru para a capital pernambucana. Apesar de Chacrinha ter tomado as dores do pai, aceitou morar na pensão da mãe para economizar.

D. Aurélia tinha como companhia a jovem Maria Polazzi, “filha de coração”, com quem Chacrinha se entrosou muito bem. Foi por meio de Maria que Chacrinha conheceu Florinda Vaz Carneiro, que viria a ser sua esposa e mãe de seus filhos. Maria Polazzi trabalhava num escritório de contabilidade com Florinda. Um dia, Maria convidou a amiga para conhecer a pensão. Ao chegarem lá, encontraram Chacrinha almoçando antes de ir para a rádio preparar o programa. Durante a refeição, Florinda percebeu o olhar comprido de Chacrinha e retribuiu. Ele não perdeu tempo e, na mesma noite, conseguiu com Maria o telefone de Florinda. Durante alguns dias, telefonava sem se identificar – como se fosse preciso! Esse flerte entre os dois durou mais algum tempo até Chacrinha tomar coragem e pedir ao pai de Florinda autorização para namorar. Seu Antonio autorizou, meio a contra-gosto, a princípio, afinal o futuro genro era radialista. Havia uma condição: que se encontrassem somente aos sábados e domingos – e com Maria presente – ou no portão da casa de Florinda. Foram cerca de seis meses até o noivado e, no dia 17 de setembro de 1947, os dois se casaram, indo morar na casa do pai de Florinda.

Chacrinha com Florinda

Foi graças a Florinda que Chacrinha voltou às boas com a mãe. Com muito carinho, ela fez o marido ver o quanto havia sido injusto com a mãe, que tantos sacrifícios fez para criar os filhos.

A esta altura, você deve estar se perguntando: mas, afinal, onde ficava a pensão de D. Aurélia? E a resposta é: não sei. Cheguei a conversar com o escritor Denilson Monteiro, autor do livro Chacrinha – A Biografia (2014), e ele disse que ninguém da família conseguiu lembrar. “Eles não souberam especificar o local, só mesmo que ficava em Botafogo”. Talvez fosse o caso de lançar um concurso daqueles que Abelardo Barbosa costumava inventar. “Descubra o endereço da pensão da D. Aurélia e ganhe um passeio com três chacretes ao Morro do Pasmado… acompanhadas dos pais e do delegado da 10ª DP.”*

*A leitora Rejane Sapita Brandão esclareceu o mistério: a pensão de D. Aurélia – ou vovó Lelé, como ela chamava a mãe do Chacrinha – ficava na rua Sorocaba 284. Ela sabe disso porque morou na pensão durante toda a infância, só saindo de lá em 1964, aos nove anos, quando a casa foi vendida. Ela tem memórias vívidas da infância feliz naquela casa e no bairro onde morou por 22 anos.

“Era um casarão de dois andares no centro de um terreno bem grande, cercado de muro baixo e grades. Na entrada, à direita, ficava um quarto enorme onde D. Aurélia morava. À esquerda, ficava o salão-restaurante, em que minha mãe fazia minhas festas de aniversário. Seguindo em frente, havia uma grande escada de madeira, larga e escura, com degraus que iam até uma parte plana, em forma de ‘L’, e depois continuavam até o segundo andar. Embaixo da parte plana, D. Aurélia mandou fazer um quartinho onde nunca entrei. Mas o morador me odiava porque eu descia a escada correndo e pulava, de propósito, na parte plana. No segundo andar, havia quatro quartos, todos muito amplos, com banheiros enormes! Lá moravam minha família, a família de um produtor de filmes de nome Valença, uma velhinha cega e também alguns rapazes de cujo quarto eu era proibida de chegar perto. Na parte de trás da pensão, ficavam os dormitórios da cozinheira Dona Minéria e da lavadeira, com suas respectivas famílias.”

Antonio Augusto Brito