O Teatro Jovem e o Rosa de Ouro
Um teatro agitou a cena cultural de Botafogo na primeira metade da década de 1960. Com sede em um casarão no número 522 da Praia de Botafogo, o Teatro Jovem nasceu, em 1960, do entusiasmo de estudantes e artistas pela arte engajada, popular e de forte cunho social, bastante em voga naquela época. Apesar das inúmeras dificuldades, o teatro produziu espetáculos memoráveis – com destaque para o musical “Rosa de Ouro” – e revelou grandes nomes da dramaturgia e da música, como Paulinho da Viola, a cantora Clementina de Jesus e os atores Flávio Migliaccio, Milton Gonçalves e Isabel Ribeiro. A experiência do Teatro Jovem foi tão inovadora que inspirou a criação dos Centros Populares de Cultura (CPCs) da União Nacional dos Estudantes (UNE).
A mistura sempre fez bem à cultura do Rio de Janeiro desde os tempos em que o imperador D. Pedro II patrocinava animados saraus no Palácio da Quinta da Boa Vista – aquele que pegou fogo no mês passado –, reunindo músicos de choro e eruditos. Com o Teatro Jovem não foi diferente. De uma mistura reunindo universitários e jovens artistas,surgiu o espaço. Sob a direção do estudante de arquitetura Kleber Santos, ali foram encenados espetáculos com foco na cultura popular. A estreia foi com a peça “A mais-valia vai acabar, Seu Edgar”, de Oduvaldo Vianna Filho – o Vianinha. Mas o primeiro sucesso de público veio em 1963, com “Todo mundo ri”, comédia de Flávio Migliaccio, que, aos 29 anos, começava a fazer participações também no Grande Teatro Tupi, da TV Tupi.
Rosa de Ouro
No dia 18 de março de 1965, estreou o show “Rosa de Ouro”, aquela que seria a produção mais marcante e bem-sucedida da história do Teatro Jovem. Idealizado por Hermínio Bello de Carvalho, poeta e compositor, e produzido por Kleber Santos, o “Rosa de Ouro” ousava trazer para o palco do teatro o samba de raiz numa época em que rádios e TVs davam preferência a ritmos americanos, italianos, franceses, latino-americanos, samba-canção e bossa nova. Para isso, o show reuniu artistas até então desconhecidos – Elton Medeiros, Nelson Sargento, Paulinho da Viola, Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho e Clementina de Jesus – e a estrela do teatro de revista Aracy Cortes. Clementina era filha de escravizados e havia trabalhado como doméstica durante 20 anos até ser descoberta por Hermínio. Cantora fenomenal, Aracy foi escalada quando já estava aposentada, morando no Retiro dos Artistas.
O espetáculo abria com a voz inconfundível do compositor e radialista Henrique Foréis Domingues, o Almirante: “Meu nome de guerra é Almirante. Eu fui participante do Bando de Tangarás, com Noel Rosa, Henrique Brito, Alvinho e João de Barro. Neste espetáculo carioca, vamos relembrar o cordão Rosa de Ouro. Aqui serão citados compositores de todos os tempos. Rosa de Ouro com vocês”. O grupo interpretava obras de grandes compositores como Paulo da Portela, Nelson Cavaquinho, Lamartine Babo, Sinhô, Ismael Silva e Cartola. A cada pausa, entravam depoimentos gravados de personalidades da música – dos bambas Carlos Cachaça, Donga, Ismael Silva e Pixinguinha aos jornalistas Sérgio Porto, Sérgio Cabral, Lúcio Rangel e Jota Efegê.
O show, que deveria ficar em cartaz por um mês, fez tanto sucesso de público e de crítica que ocupou o palco do Teatro Jovem por um ano até sair em turnê pelo país. O “Rosa de Ouro” marcou a volta do samba ao merecido lugar de destaque na música brasileira.
Os espetáculos seguintes não repetiram o sucesso do “Rosa de Ouro” e tiveram desempenho irregular. Mas, ainda assim, revelaram talentos como Isabel Ribeiro – lançada em “A moratória”, de Jorge Andrade, de 1964, em cartaz por seis meses, com mais de 200 apresentações – e o excepcional Milton Gonçalves, que conseguiu agradar a crítica apesar do fraco texto de “América injusta”, de M. B. Duberman, com direção de Nelson Xavier e Sérgio Sanz.
Em 1966, após uma tentativa de seguir com um coletivo de diretores – formado por Nelson Xavier, Sérgio Sanz, Cecil Thiré e Kleber Santos –, o Teatro Jovem encerrou suas atividades. Por seu engajamento político e seu viés popular, ele havia servido de inspiração para a criação, em 1962, dos Centros Populares de Cultura (CPCs) da União Nacional dos Estudantes (UNE). A iniciativa durou apenas até o golpe de 1964, que fechou os CPCs em todo o país e colocou a UNE na ilegalidade. O Teatro Jovem cumpriu bem o papel de dar vazão à insatisfação e à vontade de transformar, próprias dos jovens, e promoveu o encontro entre as culturas acadêmica e popular, mistura essa que, como sabemos, dá certo desde os tempos de Pedro II.