O osso da bossa
A cultura brasileira não tem pai. Tampouco mãe.
No Brasil, tanto a literatura, quanto o cinema, a pintura ou a música, por exemplo, possuem em sua genealogia ícones variados – e que perpassam diversas épocas, desde a nossa primeira colonização.
No entanto, na música, especificamente, dos anos 1950 para cá, há um nome que se projetou, regenerando de vez – nacional e internacionalmente – nossa cultura: João Gilberto.
Dizem os críticos que o lançamento do LP Chega de Saudade está para a bossa nova – e a MPB, por extensão – assim como a Carta de Pero Vaz de Caminha estaria para o nascimento do Brasil.
João é tímido. João é mágico. João é bossa. João é novo. João é música.
João foi ouvido, louvado e interpretado por gente de peso, como Dizzy Gillespie, Michel Petrucciani, Stan Getz, Toots Thielemans e Charlie Byrd.
João saiu na Rolling Stones, na Time, no Le Monde e no El País.
Porém, quando veio do interior da Bahia para o Rio de Janeiro, ainda no tempo das vacas magras, o pai da bossa nova não conseguia sucesso comercial.
E, por não topar qualquer emprego, vivia de casa em casa de amigos:
(…) João pegou o violão e a mala, e foi dividir um quarto numa pensão em Botafogo com seu amigo Luiz Roberto, novo crooner dos “Cariocas”, e o amigo deste, um mineiro chamado Rômulo Alves.
É isto o que nos lembra Ruy Castro, em Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa Nova.
De fato, muito antes de passar pelas melhores casas de Paris, Nova York, Argentina, Roma ou Lisboa, o início da Bossa foi osso duro:
Apesar da boa vontade de Tom, que estava se mexendo para gravá-lo na Odeon, não havia perspectiva de disco no horizonte e, naquele momento, João estava com o velho problema: a dona da pensão onde morava, em Botafogo, o botara para fora e dissera que ele só voltasse lá para pegar a mala quando tivesse dinheiro para pagar as diárias (…)
Talvez por isso João cantasse – naquele sufoco – pensando em desistir:
Eu vim da Bahia
Mas um dia
Eu volto pra lá
Ainda bem que o teor dos versos não se cumpriu.