O crime que abalou o Rio

O crime que abalou o Rio

Botafogo é mesmo um baú de histórias. Algumas interessantes, outras divertidas. E tem também as trágicas, como a de um crime envolvendo uma dama da alta sociedade que virou nome de rua.

Clarisse Lage era uma jovem, no mínimo, ousada. Nascida em uma família aristocrata e rica do Rio de Janeiro, ela se casou contra a vontade dos pais, em 1893, com o viúvo Arthur Índio do Brasil e Silva, militar e político descendente de índios. Com a decisão, abriu mão de seu dote, mas ganhou liberdade e admiração em seu círculo social, e o casal virou referência cultural do Rio de Janeiro da Belle Époque.

Excêntrica, mas também generosa, Clarisse Índio do Brasil abrigava animais domésticos e exóticos na chácara onde morava, na rua Voluntários da Pátria 118. Suas vacas holandesas produziam leite, que era doado à Casa dos Expostos, um abrigo para crianças órfãs em Botafogo. Araras a acompanhavam por todo o canto da casa, e ela caminhava pelas ruas do bairro com o seu chimpanzé Nero vestido com roupas no estilo imperial.

As festas na casa de Clarisse e Arthur eram muito badaladas e sempre contavam com a presença de artistas e intelectuais. Mulheres não eram segregadas. Ao contrário, participavam animadas de ceias regadas a poesia e canto, em que podiam discutir livremente suas ideias.

A tragédia

Local do crime

O então senador Arthur Índio do Brasil tinha um escritório na rua da Alfândega 94, no centro do Rio. Todo final da tarde, Clarisse costumava sair de Botafogo de carro, com o motorista, para buscar o marido. No dia 6 de outubro de 1919, por volta das 18h30, o Landaulet da família entrou pela rua do Ourives e estacionou próximo à rua do Ouvidor. Enquanto o motorista dava a volta para abrir a porta, ouviu-se um estampido. Clarisse foi atingida com um tiro no peito dado por um estranho que passava na multidão.

Perseguido por populares, o criminoso foi cercado e preso por policiais que faziam ronda pelo local. Enquanto isso, Clarisse recebia os primeiros socorros em uma farmácia até a chegada da assistência, que a levaria para a Casa de Saúde São Sebastião, onde ficaria internada.

O assassino

Na delegacia, descobriu-se que o autor do disparo era Mário Teixeira Coelho, taquígrafo do Senado, mas não foi encontrada nenhuma conexão entre ele e o senador Arthur Índio do Brasil. Investigadores apuraram que o criminoso estava fora de casa havia dias. Ele morava na rua Lafayette 11, em Ipanema, com a esposa. Descobriram também que fazia uso de cocaína – naquela época encontrada com certa facilidade nas farmácias – e álcool. Depoimentos de testemunhas que conviveram com Mário Coelho levaram à conclusão de que ele tinha “desequilíbrio mental”.

A esposa dele, Alice, escreveu uma carta endereçada a Clarisse e ao senador suplicando que perdoassem aquele “doente”. Ela pediu ao cônego Arcoverde que fizesse chegar a carta ao hospital. Segundo relato dos jornais da época, a carta foi lida em voz alta, no quarto em que a paciente agonizava. Ao final da leitura, Clarisse murmurou suas últimas palavras: “Perdoa, Coração”. Era assim que ela chamava o marido.

A morte de Clarisse Índio do Brasil comoveu a população, que se compadeceu daquela dama gentil e generosa, capaz de perdoar até mesmo seu assassino e que dedicava sua vida a fazer o bem. Como consequência direta do crime, congressistas aprovaram recursos para construção do primeiro asilo criminal brasileiro, que foi inaugurado no dia 30 de maio de 1921, nos fundos da Casa de Correção, na rua Frei Caneca.

O assassino foi condenado a 20 anos de prisão. Cumpriu dez. Segundo consta, suicidou-se alguns anos depois de libertado. Clarisse Índio do Brasil recebeu duas homenagens: um busto no Largo dos Leões, no Humaitá, e uma rua de Botafogo com seu nome, a poucas quadras do Educandário Romão de Mattos Duarte, atual nome da Casa dos Expostos, instituição que Clarisse abastecia com o leite de suas vaquinhas holandesas.

Antonio Augusto Brito