NUNCA MAIS!

NUNCA MAIS!

O nefasto recurso da tortura percorre a história da humanidade.

Na Antiguidade Clássica, a Lapidação era o mais comum. O artifício, naquele contexto, consistia em violentar o corpo, em praça pública, com o intuito de punir, por meio da dor física, determinados desvios morais.

Já no período medieval, mais do que dor física, a tortura, enquanto instrumento de purgação de pecados, procurava ir além: atingir a alma do indivíduo – e a dor, nesse caso, era também metafísica.

Havia objetos cujos nomes ainda soam desumanamente bizarros. Uns mais metafóricos: Berço de Judas, Pera da angústia, Caixão da tortura; outros mais literais: Esmaga cabeças, Empalamento, Estripador de seios.

Nos períodos supracitados, a tortura fazia parte da legislação de estado. Logo, não se torturava por puro sadismo ou mera divergência política – e nunca por debaixo dos panos.

Apenas a partir da constituição dos Direitos do Homem e do Cidadão – no séc. XVIII – é que a Europa passaria, lentamente, a abolir a tortura.

Contudo, em nossos dias, regimes de exceção frequentemente revigoram o terror do método. Devido ao viés ideológico, além do físico ou o metafísico, a tortura política visa a atingir – e definhar – o psicológico. E, diferentemente do mundo antigo, ocorre sempre de forma ilegal. Aí residem seu cinismo e toda a sua imoralidade.

Entre nós também imperaram um dia as duas modalidades de objetos torturantes, os metafóricos: Pau-de-arara, Cadeira do Dragão, Calda da verdade; e os literais: Afogamento, Geladeira, Choque elétrico.

E, desafortunadamente, o bairro de Botafogo testemunharia torturantes episódios, subsequentes àquele fatídico ano de 1964:

(…) começam as quedas no Rio. Dois companheiros indo recuperar um carro frio estacionado em rua de Botafogo não percebem o cerco da polícia, são imobilizados, presos e torturados (…)

Amigos presos, amigos mortos; amigos sumidos, pra nunca mais. Eram assim aqueles tenebrosos tempos:

(…) companheiros foram retirados violentamente do apartamento em que moravam, em Botafogo, no Rio, às 6h da manhã, e levados para local desconhecido. As mais abomináveis torturas físicas e psicológicas foram praticadas, sem falar nos assassinatos a sangue-frio (…)

Havia de fato gente de bem que não compactuava com os excessos do regime. Mas a roda-viva do terror não poupava vozes divergentes. Sem acusações, sem processos: sumariamente encaminhadas às câmeras de tortura. Advogados,

(…) incansável advogado de presos políticos, Modesto da Silveira, foi sequestrado pela polícia em sua casa, em Botafogo, e levado para o quartel da PE, na Tijuca (…)

Jornalistas – e toda a imprensa combativa –,

O Pasquim também sofreu atentados à bomba. O primeiro destruiu a fachada do jornal, em Botafogo (…)

todos desfigurados física, psíquica e humanamente na truculência que a tortura impôs:

(…) houve o caso do jornalista José Fernandes Rêgo que, libertado após 23 dias de prisão no DOPS, foi imediatamente internado no Sanatório de Botafogo. Estava 15 quilos mais magro, com perda de dentes, abúlico, sem forças para andar (…)

Lucio Valentim