Missão dada é missão cumprida
Logo pude entender a conversação que tive com um imortal ao visitar o mausoléu da Academia Brasileira de Letras no Cemitério São João Batista. Eu, que nunca ouvi vozes do Além, nem mesmo vozes familiares, me assustei quando um sussurro disparou meu coração.
– Você tem uma missão…
– Mas o que foi isso? Quem está aí?
– Sou eu, o síndico daqui…
– Síndico de mausoléu? Nunca ouvi falar!
Entre impaciente e indignado, ele (sim, a voz era masculina) me respondeu com uma pergunta:
– Quem você acha? O imortal-chefe! Eu, Machado de Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras, o bruxo do Cosme Velho, mas que há mais de um século vive aqui em Botafogo.
– Machado de Assis?! Fala sério!
– Menina…
– Menina, eu? Quem dera!
– Bom, pra quem nasceu em 1839, você é uma garotinha…
Eu, que até então estava assustada, relaxei e regozijei-me. Não é todo dia que alguém me chama de “garotinha”… E aí me toquei que não é todo dia que alguém conversa com Machado de Assis!
– Já que o senhor está me elogiando, vou massagear seu ego também… O senhor é meu escritor preferido!
Cansado de ouvir esse tipo de declaração, Machado foi logo ao ponto:
– Menina, eu tenho uma missão para você.
– Missão? Vindo do senhor, só posso ficar orgulhosa de ter sido escolhida. Aliás, nem sei por que logo eu! Conheço tantos mestres que dariam a vida… ops… não vamos exagerar… que dariam quase tudo pra receber uma missão sua… Aliás, o senhor devia bater um papo com professor Lucio Valentim, professor Alvanísio… conheço gente mais qualificada do que eu…
– Menina, quem veio aqui me visitar foi você. A missão agora é sua.
– Então, manda.
Latidos lá fora, um grupo se aproxima. É o professor Milton Teixeira guiando mais uma turma em excursão pelo cemitério.
– Diga logo, seu Machado porque tá chegando gente…
Silêncio no mausoléu. Vozes – vivas – mais próximas. Pronto! Perdi o contato com Machado! E agora? O que ele queria me pedir? Imagina se posso falhar logo com meu ídolo!
O grupo invadiu o mausoléu, e eu fui embora agoniada sem saber que missão era aquela.
Caminhando pra casa pela rua Mena Barreto, passei por uma pizzaria e li a placa: “Entregas a domicílio”. Não resisti. Entrei.
– A senhora é a dona do estabelecimento?
Ela se assustou. Devia estar pensando que eu era fiscal da Vigilância Sanitária.
– Não se preocupe. Não vim inspecionar sua cozinha. Só vim fazer um pedido. Corrige aquela placa lá fora.
Não é “entregas A domicílio”, é “entregas EM domicílio”. A gente não entrega nada A casa, não é mesmo? A gente entrega EM casa.
Aliviada, a senhora, finalmente, sorriu.
– Obrigada, minha filha, vou corrigir, sim.
Fui embora rapidinho antes que desse vontade de comer uma pizza. A balança agradeceu. E eu, já de volta ao caminho de casa, me toquei.
– Era isso! Então, tá! Missão dada é missão cumprida, seu Machado!