Luis Nassif na Casa Pública

Luis Nassif na Casa Pública

Em tempos de radicalização política e de intolerância, o jornalista Luis Nassif, do blog Luis Nassif On line / GGN, consegue ser uma voz equilibrada e, talvez por isso, receba críticas da esquerda e da direita. Seus artigos trazem boas análises da conjuntura política e econômica, lançando alguma luz sobre esses tempos sombrios.

A convite da Casa Pública, que fica na rua Dona Mariana 81, Nassif conversou com jornalistas cariocas, no sábado dia 10 de junho, sobre a operação Lava Jato. Primeiro centro cultural de jornalismo do Brasil, a casa estava lotada. Conduzido pela jornalista Natalia Viana – diretora da Agência Pública, mantenedora do espaço –, o bate-papo era interrompido, vez por outra, para Nassif exibir um talento menos conhecido. Com seu bandolim, tocava e cantava valsas, choros e marchas-rancho, com acompanhamento musical de Tiago Prata no violão de sete cordas.

Para Nassif, “se houve algo de positivo na operação Lava Jato, foi ter exposto o sistema político falido brasileiro”, mas ele tem sérias críticas à operação iniciada e conduzida a partir de Curitiba. “A Lava Jato teve o propósito político de derrubar a Dilma e acabar com o PT”, afirma o jornalista. “Alegando estarem combatendo a corrupção, permitiram a criação do maior balcão de negócios da história do país, sob o comando do PMDB, que sempre foi como um vírus oportunista, que ataca organismos debilitados.”

Lava Jato

Mas Luis Nassif não livra o Partido dos Trabalhadores da responsabilidade. “O PT é inacreditável! De um lado, ele criou todas as condições para o combate à corrupção – até 2003, o Ministério Público não tinha condição de investigar e a polícia federal não era autônoma. Aí chega o PT e cria a Controladoria Geral da União (CGU), promove o livre acesso às contas do governo e, ao mesmo tempo, mete o pé nos financiamentos de campanha.”

Ele lembra que a visão de Lula sempre foi fazer acordo com vários partidos políticos pequenos porque ele já sabia o que FHC tinha passado com o PMDB. “Quando vem o mensalão, o governo Lula enfraquece, e aí prevalece a tese do José Dirceu de fechar com o PMDB. Coincide com o período de maior investimento público da história, com PAC, Petrobras e tudo. Então, o dinheiro que passou a fluir para a corrupção política foi violento. E o PT entrou de cabeça, achando que estava utilizando os mesmos métodos de todos os outros partidos, jogando com as regras do jogo. Só que o PT não fazia parte do jogo.”

Segundo Luis Nassif, isso tudo ocorreu porque o PT não avançou nas questões estruturais, como a reforma política. “Sem ela, o governo ficou a reboque dos demais partidos e desse esquema de financiamento de campanhas”. Para o jornalista, faltou enfrentar também a questão dos juros e do câmbio no plano econômico.

Mas a maior loucura do PT, na opinião de Nassif, foi permitir que o procurador geral da República fosse escolhido pelos procuradores do Ministério Público. “Isso não existe! Nos EUA, cujo sistema de leis sempre foi referência para o Brasil, não se deixa solta uma corporação que tem poder de investigar, de grampear. É um poder de Estado. Lá, o presidente da República nomeia todos os procuradores – que não são de carreira – e nomeia o procurador geral, que pode ser demitido a qualquer momento. Porque, se você deixar solto, isso representa uma ameaça política – eles se tornam um poder político, como o que ocorreu aqui. O PT entrou nesse republicanismo maluco, sindicalista, da eleição direta e de escolher o primeiro da lista. Então, a quem o procurador prestava contas? Aos seus eleitores. Esse poder que foi dado ao MP foi suicídio político”.

A pior geração de economistas da história

Com a experiência de quem milita no jornalismo econômico desde 1975, Nassif acha que o Brasil vem sofrendo com erros sucessivos de diagnóstico econômico. “Nós temos a pior geração de economistas da história. Nos anos 1950, a gente tinha economistas brilhantes à esquerda e à direita, como Celso Furtado e Roberto Campos, ambos com visão de país. A desgraça do Brasil, inclusive dos governos Lula e Dilma, tem sido a subordinação a essa economia de mercado fajuta. FHC foi convencido a apostar nos bancos de investimento, que tinham visão internacional e levariam a economia brasileira a reboque. Já o PT foi levado a apostar em ‘campeões nacionais’, como a AMBEV e a JBS, que se projetariam internacionalmente levando a economia brasileira junto. Acontece que, no mundo globalizado de hoje, essas empresas não têm pátria e, quando crescem, vão embora, como ocorre agora com a JBS. O governo estimula o crescimento das empresas desorganizando a cadeia produtiva, e, ao fim, elas se mudam.”

O blogueiro culpa o pensamento atrasado por muitas das nossas mazelas. “Muito empresário ainda acha que a educação tem de preparar técnicos para o chão de fábrica. Nós estamos na quarta revolução industrial! Isso exige um pensamento amplo, novas formas de educação. A criança precisa brincar para aprender a ser criativa. Mas isso só é importante para quem tem compromisso com o Brasil. E o financeiro não tem esse compromisso. Se não der certo, ele vai para qualquer outro lugar do mundo.”

Reconstrução e um novo projeto de país

O jornalista explica que a deposição de Dilma representou o “desmoronamento do edifício institucional” e o país terá de ser refundado. “Estão empurrando goela abaixo todas essas reformas que não se sustentam em regime democrático. A próxima eleição vai ganhar o candidato que se propuser a desconstruir esse modelo maluco de capitalismo predatório.” Para ele, deve haver um novo pacto político, e a sociedade precisa de um novo projeto de país. “Quando eu digo ‘projeto de país’, não falo apenas da democracia representativa. Precisamos pensar o que queremos da indústria de defesa, da política industrial, da política científica e tecnológica, da educação, isso tudo com visão de conjunto e compromisso com o país.”

Casa Pública

Luis Nassif acredita na reconstrução e aposta na juventude, que vem se interessando pela boa política. Sugere como caminho a valorização da cultura nacional. “O maior indicador de que nós estamos em um processo de reconstrução do país é a música. Tem um grande pensador do início do século XX, Manuel Bonfim, que falava: ‘Enquanto a elite fez a guerra do Paraguai, os líricos fizeram a abolição’. E a música é o melhor exemplo da brasilidade.” E foi com música – “Rancho das namoradas”, de Ary Barroso e Vinicius de Moraes – que Nassif terminou mais um encontro da série Conversa Pública.

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