Lembrança de um gênio esquecido
Na Enseada de Botafogo, entre as ruas Farani e Marquês de Olinda, encontra-se a escultura em granito Maternidade (1943), obra de Celso Antônio Silveira de Menezes (1896-1984), um dos grandes nomes do modernismo brasileiro, mas que pouca gente conhece.
Enquanto duas esculturas vizinhas – Crepúsculo (1906), de Henri Weigele (1858-1927), e Poesia em ruínas (1904), de Jean Magrou (1869-1945) – são obras neoclássicas de escultores franceses, com figuras humanas de proporções idealizadas, Maternidade retrata uma mãe com feições mestiças – uma brasileira típica, na visão do artista –, deitada, tendo o filho ao colo. Celso Antônio não se preocupou com formas perfeitas. Ao contrário: suas obras se caracterizavam pelo abstracionismo, buscando a simplificação e a estilização das formas.
De família pobre, Celso Antônio veio para o Rio de Janeiro, aos 16 anos, tentar a sorte como artista. Chegou a dormir em praças até que caiu nas graças de Coelho Neto, conterrâneo e intelectual de prestígio, que o ajudou no início, conseguindo uma bolsa do governo do Maranhão para que o jovem talento estudasse desenho na antiga Escola Nacional de Belas Artes. Destaque no curso, Celso Antônio frequentou o ateliê de Rodolfo Bernardelli, no Leme, onde produziu suas primeiras esculturas, que lhe renderam premiações. Em 1923, aclamado pela imprensa da capital federal e já casado, o artista ganhou nova bolsa, dessa vez para estudar em Paris.
Na capital francesa, Celso Antônio fez parte de um círculo de intelectuais e artistas brasileiros, como Di Cavalcanti, Villa-Lobos, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. Na Academia de La Grande Chaumiére, foi descoberto por Émile Antoine Bourdelle, consagrado renovador da escultura moderna, que o convidou para ser seu assistente.
De volta ao Brasil, em 1926, com uma carta de recomendação do mestre Bourdelle e as amizades dos modernistas brasileiros, Celso Antônio conseguiu trabalho em São Paulo – onde fez contatos com Oswald de Andrade e Mário de Andrade, líderes do movimento modernista – e no Rio de Janeiro.
O escultor e outros modernistas – Le Corbusier, Lúcio Costa, Candido Portinari, Oscar Niemeyer, Bruno Giorgi e Roberto Burle Marx – foram convidados pelo ministro da Educação e Saúde Pública de Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, a participarem da criação do novo prédio do ministério.
O resultado do trabalho vinha sendo muito criticado pela imprensa brasileira, até que o arquiteto-chefe do Museum of Modern Art of New York, Philip Goodwin, visitou o país, à frente de um grupo de arquitetos ingleses e americanos. Ele considerou o prédio do ministério o mais avançado das Américas. Como quase sempre acontece, bastou isso para que, no dia seguinte, os jornais locais passassem a chamar o edifício de “obra notável da moderna arte brasileira”.
Estátua do Trabalhador
Durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, Celso Antônio recebeu a encomenda de uma estátua para homenagear os trabalhadores, a ser instalada em frente à sede do ministério do Trabalho e inaugurada no Dia do Trabalho. Celso Antônio viu na encomenda a oportunidade de representar o trabalhador brasileiro com sua visão modernista, na contramão do senso estético comum idealizado. Seu trabalhador era uma figura em pedra com três metros de altura e forma atarracada, compacta e monolítica, muito distante do ideal grego. A escultura foi inaugurada em 1950, na avenida Presidente Antonio Carlos, em frente ao prédio do ministério do Trabalho, com a presença do presidente da República. Ao vê-la, Dutra declarou: “não gostei”. Foi o suficiente para a estátua ser recolhida em um depósito, apesar dos protestos de intelectuais, sobretudo os paulistas.
Desiludido e incompreendido, Celso Antônio recolheu-se ao autoexílio, passando a aceitar encomendas apenas de pequenas esculturas e aquarelas. Morreu em 1984, pobre e esquecido até mesmo pelos maranhenses.
Sobre Celso Antônio, Otto Lara Resende escreveria: “Como simples testemunha do meu tempo, considero um absurdo que até hoje, no final de 1989, um artista do valor e da importância de Celso Antônio não tenha tido ainda o reconhecimento que merece. Não lhe faltou sequer o sal da grande controvérsia, quando sua arte foi vítima da incompreensão e da burrice. Tudo o que se fizer em favor de Celso Antônio, a partir de agora, é justo e oportuno. Chega tarde, mas ainda chega a tempo de saldar uma dívida que o Brasil tem para com esse extraordinário artista, que conheci, admirei e defendi, quando foi vítima da agressiva estupidez dos que se trancam na rotina e no ar viciado do academicismo”.
Carlos Drummond de Andrade escreveu: “Celso Antônio merece ser redescoberto e analisado criticamente como uma das expressões mais fortes da escultura brasileira”. De alguma forma, o reconhecimento veio, ainda que tardio. Seu “Trabalhador” foi resgatado de um tapume e entronizado no Parque Palmir Silva, em Niterói. Boa parte de suas obras foi tombada pelo Patrimônio Histórico, incluindo a Maternidade, que moradores de Botafogo e visitantes podem e devem reverenciar. Afinal, ao contrário das belas – porém perfeitas demais – estátuas gregas de Crepúsculo e Poesia em ruínas, a obra de Celso Antônio tem identidade própria. E a nossa cara.