Hollywood está aqui
Queria começar esse texto destacando o prazer de conversar com o ator Gustavo Falcão e vê-lo atuar na peça “Hollywood”, em cartaz no Teatro Poeira, aqui em Botafogo, até o dia 25. Gustavo é uma graça de pessoa – cidadão e artista –, que combina vigor, doçura e crítica. Prazer também de conhecer a atriz Luciana Fávero, afetuosa e feliz moradora de Botafogo, que interpreta a personagem Karen no mesmo espetáculo.
Mas deixa eu falar primeiro sobre o Teatro Poeira, um dos mais importantes pontos de cultura do bairro que está às vésperas de comemorar 12 anos de inauguração. A programação do Poeira é sempre bacanérrima! Foi lá onde assisti a peças ótimas como “Incêndios” e “O púcaro búlgaro”. Agora posso incluir mais uma na minha lista “batendo palma de pé”.
“Hollywood”, texto do dramaturgo norte-americano David Mamet, é uma montagem da Cia Teatro Epigenia, com tradução e direção de Gustavo Paso. Vi a peça depois de bater um papo com Gustavo Falcão, lá mesmo no teatro da rua São João Batista.
É a primeira vez de Gustavo no Poeira: “já havia trabalhado no Poeirinha, fazendo ‘Race’, em temporada iniciada em 2015 e prorrogada até 2016”, lembrou. Para ele, trabalhar num teatro cujas donas são duas atrizes – Marieta Severo e Andréa Beltrão – é perfeito: “Ele é feito para atores. É diferente de entrar num teatro adaptado ou pensado por quem não é do meio. Desde sua concepção, o Poeira foi pensado por artistas para abrigar artistas”. E o ator não se refere apenas à estrutura, “mas, principalmente, à programação. Os teatros acabam assumindo a identidade, os objetivos, as missões e os sonhos de seus donos. O Poeira é uma extensão do que Marieta e Andréa são como artistas. Isso dissemina para a programação, para as oficinas e mesmo para os objetivos, para o que o teatro pretende como aparelho cultural: fazer uma conexão mais direta com o público…”
Gustavo Falcão surgiu para o grande público na peça “A máquina”, de João Falcão, que revelou também Wagner Moura, Lázaro Ramos e Vladimir Brichta. A peça virou filme, protagonizado por ele. Já fez novelas, como “Cobras & Lagartos” e “As filhas da mãe”, cinema e muito, muito teatro. Em março e abril, estava em cartaz em três peças: “Esse vazio”, viajando pelo interior do Estado do Rio; “Race”, cuja temporada em São Paulo acabou no final de maio e “Hollywood”. Agora vai começar a ensaiar “Entonces, bailemos”, um texto argentino que estreia em julho no Sesc Copacabana.
Em “Hollywood”, o ator interpreta Daniel Fox, um executivo de cinema ávido por um blockbuster, papel em que se reveza com Ricardo Pereira (Gustavo atua às quintas e sextas-feiras; Ricardo, aos sábados e domingos). “Hollywood” – que encerra a proposta de trilogia de Mamet, depois de “Oleanna” e “Race” – fala sobre o dilema entre arte e sucesso comercial.
“Os artistas de verdade não vivem o dilema entre fazer sucesso ou fazer arte. Para o bem ou para o mal, ser ator é uma escolha prévia, quase que um ato de resistência ou de ideologia, vem antes de o ator pensar se vai fazer dinheiro ou não. É possível haver entretenimento dentro da arte? É. E é bom quando há. É bom quando você se depara com uma obra de arte, e aquilo faz o seu tempo voar e, principalmente, lhe modifica de alguma maneira”, reflete Gustavo. Porém, mais do que uma questão sobre arte e entretenimento, a peça trata também de temas atuais, como sede de poder e assédio.
Há ainda outros dois personagens em cena: Tony Miller, papel de Cláudio Gabriel (também sensacional!), e a secretária Karen, interpretada por Luciana Fávero. Assim como Gustavo, que veio de Recife há 17 anos, Luciana também não nasceu aqui. É paulista, mora no Rio desde 1997 e casou com um carioca de Botafogo. Ela mora com a família – marido e dois filhos – na rua Principado de Mônaco, pertinho do teatro.
Luciana se juntou a nós e se empolgou ao falar do bairro onde mora e trabalha. “Botafogo é um bairro supervivo, tem comércio amplo e, ao mesmo tempo, ruazinhas como a minha, tranquila, que nem parece estar numa área tão movimentada”, observa a atriz. Sua produtora funciona na própria casa, o que possibilita que ela resolva tudo em Botafogo – compras, lazer, colégio dos filhos. O que ela mais gosta no bairro é “o jeito de cidade do interior, onde todo mundo se conhece – do jornaleiro ao dono da padaria”.
Gustavo mora no Jardim Botânico. Também é lá que fica o Lunático – Espaço em Movimento, onde ele dá aula de acrobacia em tecido. O local já abrigou um bistrô e agora está se tornando um espaço cultural. Apesar de não morar em Botafogo, o ator tem carinho especial por nosso bairro. Antes de o filho Antônio, de três anos, nascer, estava sempre por aqui, principalmente por causa dos cinemas. Mas os laços dele com o bairro são ainda mais afetivos. “Meu primeiro endereço no Rio foi em Botafogo. Foi quando vim para cá com ‘A máquina’, em 2000”, recorda Gustavo. Depois, voltou quando foi convidado para fazer a novela “As filhas da mãe”, na qual interpretava o personagem Faísca, um surdo-mudo bem chapliniano. Contracenava com Lázaro Ramos, com quem passou a dividir um apartamento na rua Sorocaba.
E tem outra curiosidade de Gustavo com Botafogo: quando veio ensaiar “A máquina”, em 1999, acabou alugando, com Wagner Moura, um conjugado no alto da rua Mundo Novo. De lá, admirava a Baía de Guanabara. Paisagens como essa, aliás, deslumbram Gustavo desde que chegou ao Rio. E é lembrando sua primeira impressão da cidade que ele deixa escapar seu adormecido sotaque nordestino: “Opaí, que negócio bonito!”
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