Eram todos policarpos
Um foi homenageado com nome de rua em Botafogo. Outro foi homenageado, este ano, na Festa Literária Internacional de Paraty – FLIP. O que Visconde de Ouro Preto, nobre abolicionista, e Lima Barreto, neto de escravizados, têm em comum?
Bem mais do que se poderia imaginar. Sem o visconde, talvez não houvesse o jornalista e escritor. O pai de Lima Barreto, João Henriques (foto), era monarquista e amigo do mineiro Afonso Celso de Assis Figueiredo, Visconde de Ouro Preto, um dos políticos mais influentes do Segundo Império. Foi graças a Ouro Preto que João Henriques conseguiu um emprego de tipógrafo na Imprensa Nacional. E foi também com o apoio financeiro do visconde, que Lima Barreto, seu afilhado, pôde estudar em alguns dos melhores colégios da época.
Enquanto todos – inclusive nosso colunista de literatura, Lucio Valentim – falam de Lima Barreto, vou contar um pouco da história do visconde.
Afonso Celso nasceu em Ouro Preto, na província de Minas Gerais, em 1836, filho de português naturalizado brasileiro com uma brasileira mestiça. Como era comum aos filhos da elite imperial, optou pela carreira de Direito, primeiro passo rumo à política. Aos 16 anos, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo e começou em sua longa carreira pública.
Em 1879, Afonso Celso foi eleito senador pela província de Minas Gerais. O político era um dos mais destacados líderes do Partido Liberal, que se alternava no poder com o Partido Conservador, no então sistema de parlamentarismo monárquico. Foi nomeado Conselheiro de Estado por D. Pedro II e foi ministro da Marinha, da Fazenda e do Império.
Em dezembro de 1879, Afonso Celso, então ministro da Fazenda, decidiu aumentar o preço da passagem dos bondes em 20 réis, que correspondiam a um vintém. A medida gerou protestos violentos que duraram dias. Condutores foram espancados; burros, esfaqueados; bondes, virados; trilhos, arrancados. Manifestantes tombaram feridos ou mortos pelo Exército, chamado pela polícia para conter os populares. O movimento pelos 20 réis ficou conhecido como a Revolta do Vintém, que, para muitos historiadores, marcou o início do fim do Império.
O título de Visconde de Ouro Preto só veio em 13 de junho de 1888. Um mês após a assinatura da Lei Áurea, a Princesa Isabel concedeu títulos de nobreza a mais de cem personalidades, dentre elas, o senador abolicionista e conselheiro Affonso Celso de Assis Figueiredo.
No último ano do Império, Ouro Preto foi nomeado Presidente do Conselho de Ministros e assumiu o governo em pé de guerra. Traído por seu próprio ajudante de ordens, o general Floriano Peixoto, Ouro Preto foi levado para a prisão no dia 15 de novembro de 1889 e lá acordado, durante a madrugada, pelo tenente Menna Barreto, aos gritos:
— Acorde e prepare-se, que mais tarde tem de ser fuzilado!
Ouro Preto se pôs de pé e replicou:
— Só se acorda um homem para fuzilá-lo e não para avisá-lo de que vai ser fuzilado. O senhor verá que, para saber morrer, não é preciso vestir farda!
Dado o golpe contra o gabinete, horas mais tarde cairia o regime. Ouro Preto não foi fuzilado. Seguiu rumo ao exílio por determinação do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, presidido por Deodoro.
Em 1891, Ouro Preto retornou do exílio e passou a lutar pela restauração da monarquia. Ajudou a fundar o Partido Monarquista, em 1895, embora a organização fosse proibida de concorrer. Em 1897, durante o governo de Prudente de Morais, Ouro Preto retornaria ao exílio, dessa vez por causa dos distúrbios ocorridos em todo o país, com destaque para a Guerra de Canudos. Acreditava-se, erradamente, que Antonio Conselheiro e seus liderados lutavam pela restauração da monarquia.
No mesmo ano, Afonso Celso estaria de volta ao Brasil para dedicar seus últimos anos de vida às atividades intelectuais, longe da política. Ele morreu em 21 de fevereiro de 1912. Lima Barreto, seu afilhado, morreria dez anos depois. Tanto o visconde, quanto o escritor e seu personagem mais famoso, Policarpo Quaresma, tiveram em comum um triste fim. Eram desajustados do mundo em que viviam, fosse ele real ou imaginário.