Elizeth Cardoso – a Divina – morou em Botafogo

Elizeth Cardoso – a Divina – morou em Botafogo

Elizeth Moreira Cardoso foi uma das maiores cantoras da música popular brasileira de todos os tempos. Entre os admiradores da “Divina”, encontravam-se Jacob do Bandolim, que a descobriu em uma festa de aniversário; Edith Piaf, que a aplaudiu de pé, durante um show no Copacabana Palace; a diva norte-americana Sarah Vaughan, com quem Elizeth se apresentou algumas vezes; o maestro Quincy Jones, que tinha todos os seus discos; Vinicius de Morais e Tom Jobim, que emprestaram várias canções para o disco de Elizeth “Canção do amor demais”, considerado o marco do início da bossa nova. Elizeth nasceu pobre e sempre batalhou muito. Foi somente na década de 1950 que a carreira dela começou a deslanchar. E foi nessa mesma época que ela se mudou para o bairro de Botafogo.

Nascida em 16 de julho de 1920 – numa casa de cômodos no bairro de São Francisco Xavier, perto do morro da Mangueira, zona norte do Rio –, Elizeth teve que trabalhar desde os dez anos de idade para ajudar nas despesas da casa. Foi balconista, funcionária de uma fábrica de saponáceos, cabeleireira e vendedora de cigarros. A vida só começou a melhorar quando completou 16 anos. Em sua festa de aniversário, na casa de um tio, Elizeth cantou acompanhada de Jacob do Bandolim e seus músicos, amigos da família. Jacob ficou impressionado e a apresentou à Rádio Nacional, que a contratou. Mas o dinheiro não era suficiente, e Elizeth complementava o salário se apresentando em circos, clubes e cinemas. Mais tarde, trabalhou como crooner do Dancing Avenida, espécie de salão de danças em que homens pagavam por cada música que dançassem com as taxi-girls que trabalhavam na casa.

Mudança para Botafogo

No início da década de 1950, Elizeth Cardoso se apresentava em boates e casas de show, e foi numa dessas casas – a boite Casablanca, na Praia Vermelha – que a sorte dela começou a mudar para melhor. No dia 8 de junho de 1953, estreou o espetáculo “Feitiço da Vila”, inspirado na obra de Noel Rosa, que havia conhecido no início da carreira no rádio. Além de Elizeth, faziam parte do espetáculo Silvio Caldas, Blecaute, Grande Otelo, Jardel Filho e artistas da noite. A boate Casablanca era frequentada pelos mais importantes jornalistas da cidade, e foi assim – com as críticas favoráveis na imprensa – que Elizeth finalmente começou a ser conhecida pelo público da Zona Sul.

Em 1956, ela se mudou com a família – a mãe dona Moreninha; a filha adotiva Teresa Carmela e esposo; o filho Paulo Valdez que teve com o músico Ari Valdez; e, algum tempo depois, a amiga pernambucana Maria de Lurdes Souza – para o apartamento 402 da rua Voluntários da Pátria 127. O moderno edifício havia sido inaugurado naquele ano em Botafogo e fora projetado pelo famoso escritório de arquitetura dos Irmãos Roberto, responsável também pelos projetos do prédio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e do Aeroporto Santos Dumont. A mudança de Bonsucesso para Botafogo levou a carreira de Elizeth a um novo patamar. Elizeth – que dividia a carreira profissional entre o rádio, as gravações de discos e as apresentações em hotéis, boates e casas de espetáculo, na Zona Sul ou no Centro – agora estava mais disponível para novas oportunidades.

Enquanto Elizeth Cardoso fazia aquele movimento do subúrbio para a zona sul, cantando com igual desenvoltura choro, samba ou bossa nova, jovens artistas como Beth Carvalho e Nara Leão, inspiradas em Elizeth, faziam o sentido inverso, buscando a música nos subúrbios e nos morros.

Àquela altura Elizeth Cardoso já era a “Divina” – epíteto lançado pelo amigo Haroldo Costa –, e suas apresentações, no Brasil e no exterior, eram garantia de público certo. Mesmo quando ela, uma cantora de música popular, ousou interpretar, em 1964, Bachianas brasileiras – obra erudita de Heitor Villa-Lobos – nos teatros municipais do Rio de São Paulo, arrancando aplausos demorados do público. Ou num show beneficente em 1968, no Teatro João Caetano, que tinha como objetivo arrecadar fundos para o Museu da Imagem e do Som. Elizeth cantou com Jacob do Bandolim, o conjunto Época de Ouro e o Zimba Trio para quase 1.500 pessoas que, ao final, os aplaudiram de pé por 15 minutos. A gravação do show gerou dois discos antológicos.

Outro grande espetáculo aconteceu em 1973, no Canecão, casa de espetáculos e cervejaria de Botafogo. O espetáculo “Elizeth-Baden” ficou em cartaz com a casa lotada de 1º de abril até o fim de agosto, todas as semanas, de quarta a sábado, batendo o recorde que antes pertencia a Roberto Carlos. O show tinha direção de Bibi Ferreira, roteiro de Paulo Pontes, Flávio Rangel e Sérgio Cabral, e participação de mais de 100 profissionais, entre orquestra, coro e bailarinos. Quando Elizeth Cardoso morreu, no dia 7 de maio de 1990, na Clinica Bambina, em Botafogo, ela já não morava mais no bairro. A cantora deixou uma obra de 40 LPs gravados no Brasil e vários outros, em Portugal, Venezuela, Uruguai, Argentina e México; espetáculos memoráveis e interpretações únicas, em mais de 50 anos dedicados à música.

Antonio Augusto Brito