D. Pedro I se regenerou em Botafogo
Ilustrações: D. Leopoldina, Domitilia e D. Amélia
Botafogo foi o refúgio de D. Pedro I, imperador do Brasil, após a morte da esposa Maria Leopoldina, no final de 1826. Ele se mudou para a praia de Botafogo com os filhos, onde se recolheu num momento difícil. Nem tanto pela viuvez, mas pelo repúdio da população ao seu romance escancarado com a Marquesa dos Santos – para muitos, a causa da morte da imperatriz amada pelos brasileiros – e pelo desprezo das cortes europeias, que se negavam a fornecer uma nova imperatriz ao imperador mulherengo. Foi enquanto morava no bairro que o imperador, finalmente, deu um fim ao romance com a marquesa e passou a comportar-se com a dignidade que se esperava de um monarca.
No início de 1827, o imperador D. Pedro I andava metido em maus lençóis, o que, no caso dele, mais do que força de expressão, era quase sempre literal. Seu romance de sete anos com a paulista Domitila de Castro não havia conhecido limites, misturando negócios de Estado com a alcova e colecionando escândalo atrás de escândalo. Em nome daquela paixão avassaladora, o imperador havia instalado Domitila em uma casa vizinha ao Palácio da Quinta da Boa Vista, para onde escapava por meio de uma passagem secreta. E, como se não bastasse, ele havia levado Domitila para dentro do palácio como dama de companhia da imperatriz, impondo a presença da amante à esposa, enquanto concedia títulos de nobreza para Domitila – Viscondessa e depois Marquesa dos Santos – e para toda a família dela.
Depois que Leopoldina morreu, em 11 de novembro de 1826, o relacionamento com Domitila se tornou insustentável. A população culpava Titila e Demonão – eles se chamavam assim na intimidade – pela morte de imperatriz. Pedro sabia que, para manter o prestígio de seu trono, precisava se casar com uma princesa europeia. E sabia que tinha de se livrar de Domitila.
D. Pedro, então, mudou-se com a família e seu séquito para Botafogo, em 1827, a fim de ficar bem longe da amante e também em busca de um estilo de vida mais tranquilo. Além do palacete – na esquina da atual rua Marquês de Abrantes –, que havia pertencido à mãe Carlota Joaquina, ele adquiriu a residência que pertencia ao Visconde de Vila Nova da Rainha, camareiro de D. João VI, também na praia de Botafogo. O imperador estava sossegado, pela primeira vez na vida. Era visto saindo de casa pela manhã e retornando acompanhado apenas de seu ajudante de ordens.
Mas a má fama de D. Pedro já havia corrido todas as cortes europeias, e seu emissário, o Marquês de Barbacena, tinha enormes dificuldades em encontrar uma esposa que atendesse às exigências do imperador: “que tivesse berço, formosura, virtude e instrução”. Dez princesas recusaram a oferta, para humilhação de Pedro, que resolveu baixar a bola. A nova esposa já não precisava ser de família tão proeminente, nem ter a melhor instrução, desde que fosse formosa e virtuosa. Finalmente Barbacena encontrou a pretendente. Era Amélia Augusta Eugênia Napoleona de Beauharnais, neta da imperatriz Josefina, primeira mulher de Napoleão Bonaparte, de quem D. Pedro era admirador.
Para despachar Domitila de vez, D. Pedro ofereceu comprar todos os bens da ex-amante – terrenos, chácaras e até o camarote do teatro –, o que, após protestar muito, Domitila aceitou. Era aquilo ou perder tudo, inclusive os títulos de nobreza. No dia 27 de agosto de 1829, a Marquesa dos Santos partia para São Paulo a bordo do vapor União Feliz para nunca mais retornar à corte. A princesa Amélia Augusta chegou ao Rio de Janeiro no dia 15 de novembro do mesmo ano. Ela era, de fato, linda. E era, também, muito esperta. Foi logo se livrando da velha criadagem e dos amigos duvidosos de D. Pedro. Até morrer em 1834, Pedro I foi um marido amoroso e – quase sempre – fiel. Foram felizes. E essa história começou a ser escrita aqui em Botafogo.