Cronistas de época

Cronistas de época

Conforme já reparava um daqueles cronistas da época: “Hoje, com bondes elétricos, automóveis e o mais, os nossos grandes burgueses, alguns mais ricos do que o príncipe regente, só sabem amontoar-se em Botafogo.” E concluía, revelando o interessante fluxo de nossa nobreza rumo a um bairro ainda não totalmente urbanizado: “… a própria rainha foi-se para Botafogo, hoje ‘melindroso’ e ‘encantador’ mas, naquele tempo, roça perfeita…”

Era no tempo do rei. Porém, já desde o início daquele século XIX, segundo o antigo cronista, à realeza apetecia o bucólico bairro de Botafogo. Talvez por questões de clima. Quiçá ilusões de mar.

Na sequência do relato, o cronista nos revela que “Darwin, quando passou por aqui, em 1832, habitou, durante os belos meses cariocas de maio e junho, uma pequena casa de roça, nas cercanias da baía de Botafogo…”

Era próxima ao Largo dos Leões. Sim, foi nessa viagem, em sua estadia numa palhoça roceira, que Darwin passou a encontrar evidências da teoria que abalaria as estruturas do mundo moderno: a teoria da evolução das espécies. E registrou por escrito quantas dessas espécies em Botafogo viu.

Em sua crônica do Rio, o naturalista britânico roteirizou cientificamente a cidade, dedicando poéticas linhas ao bairro – isso lá pelos anos 1830:

“Fiz meu passeio vespertino habitual pela enseada. Ali, deitei-me no litoral e observei o pôr do sol dourando as encostas nuas do Pão de Açúcar.”

Fica evidente que Darwin gostou do que viu, conforme registra em texto, no seu último dia de Rio:

“Como este é meu último dia em terra firme, determinei-me a não fazer dele um dia preguiçoso. Na enseada, achei belas coralinas. No conjunto, estou razoavelmente contente com o que fiz no Rio em matéria de história natural. Vários ramos importantes foram descartados: a geologia daqui não é interessante, a botânica e a ornitologia já são muito bem conhecidas, e o mar é totalmente improdutivo, com exceção de um lugar na enseada de Botafogo. O tempo durante essas onze semanas passou tão deliciosamente que meus sentimentos ao sair de Botafogo são de tristeza e gratidão.”

Ainda que misto entre romântico e melancólico, aos 23 anos de idade, e meio descontente com a geologia local, o “poeta” Darwin revela-se bastante satisfeito com um lugarzinho ali no mar de Botafogo, que lhe rendera bom material de pesquisa – e poesia.

Botafogo retratado por Conrad Martens, artista que acompanhou Darwin em sua expedição

Lucio Valentim