Bruxarias

Bruxarias

Existem estudos literários bastante contundentes acerca da obra machadiana. Muitos destacam o pessimismo de Machado de Assis, sua visão iconoclasta, antirreligiosa e cética de mundo. No entanto, várias são as referências místicas na obra daquele que ficaria também conhecido como o “bruxo do Cosme Velho”.

O conto A cartomante figura como ótimo exemplo disto.

Mas é o romance Esaú e Jacó – conforme se vê na alusão bíblica do título – que conferirá mais ênfase à temática, dentro da obra machadiana.

A narrativa tem início com mãe e tia dos gêmeos Pedro e Paulo subindo o Morro do Castelo:

Natividade e Perpétua conheciam outras partes, além de Botafogo, mas o Morro do Castelo, por mais que ouvissem falar dele e da cabocla que lá reinava (…), era-lhes tão estranho e remoto (…) O íngreme, o desigual (…)

Iam atrás de uma tal “cabocla”, espécie de pitonisa, que vivia ali no morro:

Toda a gente falava então da cabocla do Castelo, era o assunto da cidade; atribuíam-lhe um poder infinito, uma série de milagres, sortes, achados, casamentos.

Como eram gente de certo nível social, as irmãs subiam o morro na surdina, meio às escondidas:

Se as descobrissem, estavam perdidas, embora muita gente boa lá fosse. Ao vê-las dando a esmola ao irmão das almas, o lacaio trepou à almofada e o cocheiro tocou os cavalos, a carruagem veio buscá-las, e guiou para Botafogo.

Que era onde gente de nível vivia. E queriam algo acerca do destino dos gêmeos que havia no ventre de Natividade. E o que dissera a jovem pitonisa à mãe?:

– Coisas futuras! Coisas futuras!

No futuro, os gêmeos – que se desentendiam desde o útero materno – não concordariam em nada: um seria ferrenho monarquista; o outro, visionário republicano. Um, extremamente conservador; o outro, progressista. Um de caráter duvidoso; o outro, mais ou menos gente fina.

Contudo, em algo concordariam – o que nenhuma bruxaria previra: no amor da mesma (interesseira?) jovem mulher. Motivo inconteste de discórdia eterna e batalha mortal. E onde é que vivia o motor dessa maldição imprevista pela cabocla?:

Natividade (…) acordou pensando nos filhos e na moça da São Clemente. Parece-lhe que Flora não aceita um nem outro, logo depois que os aceitava a ambos, e mais tarde um e outro alternadamente…

Na visão da mãe dos moços, que sapeca essa Flora: a “bruxa” da São Clemente!

Lucio Valentim