As muitas cores da Santa Marta
Eu me considero metade carioca e metade nordestino. Apesar de filho de pai gaúcho e mãe carioca, morei no Ceará e adoro tudo o que vem do Nordeste, do baião de dois ao forró, dos repentistas às canções de Belchior, Luiz Gonzaga e Geraldo Azevedo. E adoro, principalmente, a alma nordestina, corajosa, alegre e generosa.
Visitar a Comunidade Santa Marta – que tem boa parte de nordestinos entre seus 5 mil moradores – significa trazer à tona este cabra da peste que habita em mim, que habita em todos nós, em maior ou menor grau.
E é graças à generosidade de uma nordestina – a guia local Salete Martins, cearense de Crateús – que o Curta Botafogo vai poder mostrar a comunidade para seus leitores numa série de histórias. Ao lado da minha parceira Carla, dou a largada para esta aventura pelo Morro Dona Marta.
Encontramos Salete e Michael Honegger – o turista suíço que a contratou para o tour – no quiosque do Coletivo de Guias Santa Marta, na Praça Corumbá, que fica na São Clemente, altura da rua da Matriz. Ela nos conduz até o plano inclinado, um serviço de transporte gratuito em bondinhos inaugurado em 2008, que facilitou demais a vida dos moradores. “Antigamente, a gente tinha que subir a pé os 788 degraus que levam até o pico do morro”, conta a guia. “Tem até um rap – ‘788’, do Repper Fiell – que fala dos degraus do Santa Marta”, completa.
Esperamos na fila apenas dez minutos, tempo que leva para o bondinho percorrer os 340 metros que separam a primeira da última das cinco estações. Ele tem capacidade para 20 pessoas, além de um compartimento para transporte de cargas. O serviço funciona todos os dias, das 6h30 à meia-noite.
Todo mundo se acomoda no bondinho em volta das sacolas de compras que um casal colocou no chão. A conversa segue animada entre o condutor e os passageiros – todos se conhecem. Para o morador do morro, o plano inclinado faz parte da rotina. Um visitante como eu se diverte sem saber para que lado olhar em meio a tantas novidades, cores e belezas.
Saltamos na estação nº 3 e fazemos a transferência para outro bondinho que nos leva até a nº 5. A seguir, caminhamos pelo pico. Salete mostra um painel na parede em frente à Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), em que Swell, artista local, conta a história da comunidade. Dali, esticamos até o Mirante do Pedrão, do outro lado do morro, de onde se tem uma vista estonteante da Baía de Guanabara e do Pão de Açúcar.
Retornamos do mirante e começamos a descer as escadas. Para baixo todo santo ajuda, e Santa Marta não haveria de nos faltar. Por falar nela, chegamos à Capela Santa Marta, erguida por padre Veloso – religioso que deu nome à principal rua da comunidade – na década de 1930. É lá que está a estatueta de Santa Marta levada ao alto do morro por uma devota, no início do século passado. A capela, bem conservada, estava fechada, mas deu para ver a imagem pelo olho da fechadura.
E lá vamos nós, nos maravilhando com a vista, com as cores das casas, dos grafites, dos mosaicos; esbarrando com crianças, estudantes, trabalhadores, vendedor de vassouras e bichos, muitos bichos: cachorros, gatos e galos, vivendo todos na maior harmonia!
Laje Michael Jackson
Chegamos agora à laje Michael Jackson, local onde o popstar gravou o videoclipe da música “They Don’t Care About Us”, em 1996. Desde então, o morro foi visitado por turistas do mundo inteiro, além de celebridades como as cantoras Madonna, Beyoncé e Alicia Keys; os atores Bradley Cooper e Vin Diesel; e vários atletas que participaram dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016.
Continuamos nossa descida, passando pela ONG Atitude Social, que apoia projetos voltados para a inclusão social por meio da arte e da educação. Lá encontramos a engenheira Priscilla, de 29 anos, que é voluntária ajudando as crianças a fazerem os deveres de casa. O diretor presidente da ONG é o músico gaúcho Robespierre Ávila, conhecido como Pierre, que também coordena o Ponto de Cultura Aos Pés do Santa Marta. Depois de um rápido papo com ele, demos uma parada na loja de Mariana e Lene, que também vende lembrancinhas e telas pintadas com motivos locais. Somos recebidos por Lene, que nos mostra, com orgulho, o videoclipe de Michael Jackson no qual aparece.
Um pouco mais abaixo, passamos por uma biblioteca que está sempre aberta, de onde qualquer um pode retirar um livro e devolver quando quiser. É o projeto “Brincando como criança”, do palhaço Benedito. O local é tão lúdico que nascem plantas de equipamentos elétricos.
E como há muitos nordestinos na comunidade, é claro que não poderia faltar o Point do Forró, local do bar da Toinha & Di Assis, onde, aos sábados, o arrasta-pé come solto a partir das 22h.
Finalizando o passeio, chegamos até a Praça Cantão, cercada pelas Casas Coloridas, obra dos artistas holandeses Haas e Hahn. Michael, nosso colega de passeio, curtiu a experiência. Perguntamos, então, o que mais lhe havia impressionado na visita. Após refletir por alguns minutos, ele disse: “o que eu mais gostei foi do senso de comunidade dos moradores. As pessoas se cumprimentam, conversam, se ajudam. Isso não é comum num mundo tão individualista”. O professor suíço lacrou.
Serviço:
Coletivo de Guias de Turismo Santa Marta – guias credenciados pelo Ministério do Turismo, que se revezam diariamente no quiosque localizado na Praça Corumbá:
Salete Martins – 99102-0037
Elias Duarte – 99130-5505
José Carlos – 97606-9599
Carlos Barbosa – 96736-2706
Gilson Fumaça – 96681-1315
Jonatas Nogueira – 96446-3467
Mario Martins – 99743-0920
Roberta Souza – 99236-5196
Verônica Moura – 98106-0796
Vitor Lira – 97756-7211
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