Afonso Arinos
A mansão na rua Dona Mariana 63, que pertenceu a Afonso Arinos de Mello Franco, foi doada por sua família à Prefeitura do Rio e hoje abriga o Centro de Pesquisas do Instituto de Relações Internacionais da PUC Rio. No livro de visitas da casa, tombada pelo patrimônio histórico, vejo que a última assinatura antes da minha é de 2015. Triste constatação de que um dos maiores nomes da política do século XX não é mais de interesse público.
Afonso Arinos nasceu em 1905 e foi uma das personalidades mais importantes de seu tempo. Exerceu enorme influência na política nacional e no meio intelectual, a partir da década de 1930 até 1990, ano de sua morte. Filho de uma tradicional família mineira de políticos, intelectuais e diplomatas, Afonso Arinos não fugiu à tradição: foi advogado, jornalista, escritor, diplomata e político.
Aos 23 anos, já casado, Afonso Arinos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou a conviver com a nata da intelectualidade do país. Ele frequentava a Livraria Católica, fundada pelo poeta Augusto Frederico Schmidt. O local era ponto de encontro de um grupo de pensadores católicos de prestígio como Alceu Amoroso Lima, Sobral Pinto, San Tiago Dantas e José Lins do Rego. Afonso Arinos também escrevia crônicas em O Jornal, de Francisco de Assis Chateaubriand, e na Revista do Brasil. No meio jornalístico, reencontrou os colegas do tempo de escola em Minas – Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Emílio Moura e Abgar Renault – e aproximou-se dos modernistas Graça Aranha, Sérgio Buarque de Holanda, Prudente de Morais Neto, Ronald de Carvalho, Manuel Bandeira e Gilberto Freyre.
Ao mesmo tempo em que enveredava pelo caminho das letras, Afonso Arinos mergulhava de cabeça na política. O país estava em polvorosa. Os paulistas haviam rompido o pacto oligárquico do café com leite, e Minas Gerais se revoltava. A família dele passou a apoiar a revolução comandada por Getúlio Vargas, em 1930. Seu irmão, Virgílio, foi importante líder da revolução, mas rompeu com o governo por causa de divergências em relação à política mineira. Afonso Arinos passou, então, a ser um feroz opositor de Getúlio, a partir da implantação do Estado Novo, em 1937. Enquanto denunciava a ditadura, fazia campanha para a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos aliados. Em 1943, assinou o Manifesto dos Mineiros, primeira manifestação política contra a ditadura de Vargas. Dois anos depois, foi um dos fundadores da União Democrática Nacional (UDN), frente que reunia a oposição ao então presidente.
Como toda grande figura pública, Afonso Arinos era multifacetado. Se é verdade que ele apoiou a deposição de Getúlio Vargas, em 1954, e a de João Goulart, em 1964, também é verdade que, no posto de ministro das Relações Exteriores do breve governo de Jânio Quadros, desenvolveu uma política externa independente, marcada pelo não alinhamento automático aos Estados Unidos, pela aproximação com os países do bloco socialista, pelo reconhecimento do governo de Fidel Castro, em Cuba, e pela condenação explícita do colonialismo na África e na Ásia. Apesar de representar a oligarquia mineira conservadora, Afonso Arinos, como senador constituinte, ajudou a escrever a Constituição Cidadã de 1988, a mais avançada da história. E foi dele a lei que, em 1951, tornou a discriminação racial uma contravenção penal – a Lei Afonso Arinos –, uma das poucas leis que todo brasileiro conhece. Era conservador, mas tinha, em seu círculo de amizades, intelectuais e políticos de todos os matizes. E por eles era respeitado.
Políticos como Afonso Arinos, Tancredo Neves e Ulysses Guimarães fazem falta ao Brasil dos tempos de irracionalidade. Embora conservadores, eram nacionalistas e faziam a boa política, em que a discussão se dava no campo das ideias. E, mesmo quando em lados opostos, sabiam construir pontes.
A propósito, boa parte do acervo fotográfico da família Mello Franco está guardada e preservada na Fundação Getúlio Vargas, que ostenta o nome de seu grande adversário político e que, por ironia, é um dos centros de formação do pensamento liberal. Por ironia dupla, o liberalismo só ganhou força após a forte industrialização promovida durante a Era Vargas.