A pena de Alencar
O Rio é metrópole repleta de contrastes e, por sua própria natureza, serve de prato cheio ao cronista – o que aliás é comum a toda grande cidade. Por aqui passaram os melhores do país e do mundo, que aqui viveram, fizeram laboratório e daqui retiraram – todos – o grosso de sua grande obra.
Vindo do Ceará, e mais conhecido como autor de romances – Senhora ou Lucíola, p. ex. –, José de Alencar também figura como um dos grandes cronistas da cidade do Rio de janeiro, embora desconhecido.
Em conjunto de crônicas intitulado Ao correr da pena, Alencar discorreria sobre a cidade, dando ênfase ao bairro que então despontava no imaginário de consumo da elite do tempo. A partir desta perspectiva, numa tardinha qualquer, era assim que o cronista via as possibilidades para o ócio da noite:
“No horizonte poético da bela sociedade já se lobriga um baile do cassino, uma regata em Botafogo, e algumas partidas familiares e encantadoras” (…).
Ah, quanta distância existe entre aqueles tempos e o nosso, em que, na visão de Alencar, sem maiores temores, “podíamos passear aos belos arrabaldes da cidade, a Botafogo, às Laranjeiras, ao Engenho Velho ou ao Andaraí (…)”, sem balas oficialmente perdidas e milícias fortemente armadas; tempos em que havia “na praia de Botafogo um magnífico boulevard como talvez não haja um em Paris, pelo que toca à natureza” e o bairro, naquele então, sobressaía e servia rutilantemente para “o rendez-vous da sociedade elegante da corte”.
Parecia, inclusive, que a cidade era vocacionada para glamourizar-se também nos seus arredores, conforme relata o cronista: “Domingo passado o caminho de São Cristóvão rivalizava com os aristocráticos passeios da Glória, do Botafogo e São Clemente, no luxo e na concorrência, na animação e até na poeira”, ao referir-se à inauguração de suntuoso Jockey Club no bairro de São Cristóvão. Ou até mesmo uma expansão metropolitana maior, rumo à Serra, vista pelo cronista Alencar como grande alternativa balneária à saturação da Orla:
“De maneira que daqui a uns dez ou vinte anos, se as coisas continuarem, em vez de passar um domingo em Andaraí, Botafogo ou Jardim Botânico, iremos a Petrópolis, a Teresina, ou à Cidade dos Órgãos (…)”.
Contudo, num tempo em que para se estar antenado aos fatos, à moda e a tudo o que fosse moderno já não bastava o trottoir pelas ruas do Centro, o mito da Zona Sul começava a tomar corpo, e Botafogo é quem primeiro despontava como símbolo e estereótipo de um Rio que passou:
“Fostes sexta-feira à noite a Botafogo? Vistes como estava brilhante a linda praia, com a sua bela iluminação, com suas alegres serenatas, e com os bandos de moças que passeiam (…)?”.