A mais antiga sinagoga do Rio fica em Botafogo
A União Israelita de Ajuda aos Necessitados Shel Guemilut Hassadim, mais antiga sinagoga do Rio de Janeiro, foi fundada por judeus marroquinos presumidamente em 1840, numa época em que cultos não católicos eram proibidos no Brasil. Após funcionar em vários endereços do Centro, a Shel Guemilut Hassadim mudou-se, em 1950, para sede própria na rua Rodrigo de Brito 37.
Se hoje alguns endereços de Botafogo – praça Chahim Weitzmann, praça Joia Valansi, parque Yitzhak Rabin e rua Teodor Herzl – refletem a importância histórica da comunidade judaica no bairro, houve um tempo de intolerância, em que a prática do judaísmo – ou de qualquer outra religião diferente do catolicismo – era proibida e, em alguns casos, punida com a morte. Foi o caso de Antônio José da Silva “O Judeu”, nascido em Botafogo – segundo alguns pesquisadores –, no dia 8 de maio de 1705. Em plena vigência da Santa Inquisição Portuguesa (1553-1821), Antônio José mudou-se com a família para Portugal para acompanhar a mãe Lourença Coutinho, que havia sido acusada de judaísmo e para lá deportada. Na capital portuguesa, ele se formou em advocacia, mas foi como dramaturgo que se notabilizou e incomodou os poderosos com comédias de costumes repletas de crítica social. Foi preso várias vezes por judaísmo, torturado e, finalmente, executado em 1739, por ordem do tribunal do Santo Ofício.
Os primeiros anos
Após o fim da Inquisição, outras religiões passaram a ser toleradas no Brasil – a liberdade religiosa completa só viria com a primeira Constituição da República em 1891 –, abrindo caminho para a criação da União Israelita Shel Guemilut Hassadim em 1840, de acordo com o advogado Fortunato Azulay e os historiadores Egon e Frieda Wolff. O endereço da sinagoga nos primeiros 20 anos foi um sobrado da Praça da República, esquina da rua Senhor dos Passos. De lá, mudou-se, sucessivamente, para a rua da Alfândega 358 (1860-1900), rua São Pedro (desaparecida com a abertura da avenida Presidente Vargas) 300 (1900-1920), rua do Lavradio 90 (1921-1935), rua Francisco Muratori 33 (1935-1950) e, finalmente, para o atual endereço, na rua Rodrigo de Brito 37.
A tradução para o português da Enciclopédia Judaica acrescenta alguns detalhes históricos:
“Organizaram-na israelitas marroquinos com o objetivo precípuo de manter uma Sinagoga, primeiramente instalada num sobrado da Praça da República, esquina de Senhor dos Passos, após 20 anos, transferindo-se posteriormente para um salão maior na Rua São Pedro, 300. Em 10 de março de 1912, após uma cisão em que se afastaram principalmente os israelitas de origem francesa que haviam constituído uma Sinagoga à parte, a sociedade organizou-se como entidade jurídica. Terminada a I Guerra Mundial, a maioria das famíias filiadas à Sinagoga francesa retornaram à Europa, contribuindo para que as aqui remanescentes (tais como Moses, Kanitz, Wellish, Liebmann, Schlesinger) tornassem a ingressar na sociedade. Em 1921, a Sinagoga transferiu-se para a Rua do Lavradio, 90, e em 1935 para a Rua Francisco Muratori, 33. Com o crescimento do número de Congregados, que hoje ascende a 300, deliberou-se, sob os auspícios de Jomtob Azulay e Rafael Serruya, construir um templo próprio na Rua Rodrigo de Brito 37, inaugurado em 7 de setembro de 1950.”
Nos primeiros anos, a sinagoga funcionou na semiclandestinidade. Mesmo quando foi legalizada em 1873 – por meio do Decreto Imperial nº 5.202 assinado por Dom Pedro II –, não havia qualquer menção à prática religiosa em seu estatuto, dando a entender que se tratava de uma sociedade de ajuda aos necessitados daquela comunidade, sem qualquer caráter religioso.
Somente com o advento da República, a liberdade religiosa foi conquistada. Graças à Constituição de 1891, que promoveu a separação entre a Igreja e o Estado, a Shel Guemilut Hassadim e tantas outras organizações religiosas puderam professar sua fé sem medo de sofrerem perseguições. A Constituição de 1988, seguindo a tradição das constituições republicanas que a antecederam, estabelece, no Artigo 5º, que
“(…) é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (…)
Numa época em que a intolerância religiosa ressurge, vale lembrar o quanto de sofrimento o fundamentalismo religioso causou no passado, em memória de judeus, muçulmanos, espíritas, umbandistas, candomblecistas, cristãos e adeptos de tantas outras religiões que padeceram por causa da perseguição religiosa. A história da civilização nos ensina que devemos conviver em paz respeitando as nossas diferenças.
N.R. – Além da Shel Guemilut Hassadim, existem, em Botafogo, dois outros templos que professam o judaísmo: a Associação Religiosa Israelita (ARI), na rua General Severiano 170, e o Beth B’nei Tsion Jewish Adventist Temple, na rua Dezenove de Fevereiro 140.
Fontes de pesquisa:
MORAIS, RONALDO Vítimas da Inquisição no Rio de Janeiro, 2016
DINES, ALBERTO Vínculo do fogo: Antonio José de Silva, o judeu, e outras histórias de inquisição em Portugal e no Brasil, Companhia das Letras, 1992 http://sinagogashel.com/historico.html