O advogado do diabo e os ossos de Dana de Teffé
No dia 29 de junho de 1961, a dama da alta sociedade carioca Dana de Teffé, 48 anos, foi vista pela última vez embarcando em um automóvel com seu advogado, em frente ao número 132 da Praia de Botafogo, onde morava. Dana desapareceria sem jamais ser encontrada.
Nascida na antiga Tchecoslováquia, Dana Edita Fischerowa de Teffé morava no Rio de Janeiro havia dez anos, desde que se casou com o diplomata e piloto de corridas brasileiro Manuel de Teffé von Hoonholtz, que conhecera no jet set.
Vinda de uma família judia rica de Praga, ela recebeu a melhor educação: era fluente em vários idiomas e possuía formação clássica em balé. Após a invasão de seu país, no início da II Guerra Mundial, Dana fugiu para a Itália, onde, sob o nome de Dana Harlova, foi bailarina da companhia de revista de Odoardo Spadaro, ator, cantor e compositor de prestígio internacional. Lá, Dana conheceu seu primeiro companheiro, Ettori Muti, tenente-coronel da Força Aérea Real, herói nacional e membro do Partido Nacional Fascista, de Benito Mussolini. Em 1943, Muti foi assassinado nos arredores de Roma em circunstâncias obscuras. Dana mudou-se, então, para a Espanha, onde viveu por quatro anos com Alberto Díaz, dentista, dono de conceituada clínica de Madri. Terminado o romance, ela trocou a Espanha pelo México, e lá conheceu seu terceiro companheiro, o jornalista Carlos Denegri. Em outubro de 1951, já separada do jornalista mexicano, Dana veio para o Brasil e, em um jantar de gala, foi apresentada a Manoel de Teffé.
No Rio de Janeiro, o casal aristocrata fazia sucesso. Dana era a “mais mais” em capas de revistas, como a popular Cruzeiro. A sociedade ficou encantada com a erudição e o charme do casal, que não saía das colunas e dos noticiários dos principais jornais do país.
Advogado do diabo
Após quase dez anos de relacionamento, o casal resolveu se separar. Para providenciar o desquite, Manuel de Teffé contratou o escritório de Oscar Stevenson. O advogado responsável pela parte de Dana na divisão de bens era Leopoldo Heitor de Andrade Mendes. Na partilha, Dana recebeu uma boa fortuna – em dinheiro, títulos, joias, ações e imóveis, entre eles o apartamento no edifício Massilia, na Praia de Botafogo 132 – que se somou aos bens que ela já possuía do espólio de Ettori Muti.
É curioso que Leopoldo Heitor tenha sido escolhido. Para gente da alta sociedade, normalmente avessa a escândalos, o advogado não seria a melhor opção, pois não primava pela discrição. Chegado a holofotes, Leopoldo Heitor havia recebido da imprensa o apelido de “advogado do diabo” quando seu depoimento ajudou a condenar o tenente Alberto Bandeira pelo assassinato de Afrânio Arsênio de Lemos, naquele que ficou conhecido como o “Crime do Sacopã”. Ele também havia sido acusado de falsificar um cheque no valor de 18 milhões de cruzeiros. Nada disso, nem mesmo o alerta de amigos, impressionou Dana, que o tinha como pessoa de extrema confiança, ou talvez um pouco mais, segundo se suspeitava.
No dia seguinte à partida para São Paulo, Leopoldo Heitor deu entrada em um hospital para cuidar de um ferimento na perna. Ele usou um nome falso e pediu ao médico que não comentasse o fato com ninguém. Dias depois, Leopoldo, a mulher Vera e os dois filhos se mudaram para o apartamento de Dana de Teffé. Munido de uma procuração, ele conseguiu vender o apartamento e outros bens. Nove meses depois do desaparecimento de Dana, já havia embolsado uma pequena fortuna.
“Stevenson: Quem Matou foi Heitor”
Foi então que Oscar Stevenson, desconfiado do amigo Leopoldo Heitor – que passara da quase miséria à riqueza sem receber qualquer herança –, resolveu ir à polícia para dar seu depoimento. Ele suspeitava de que Leopoldo Heitor havia cometido assassinato e dado sumiço no corpo da socialite. No dia seguinte, os jornais estampavam a notícia: “Stevenson: Quem Matou foi Heitor”.
Para Maria Elisa Tuccimei, melhor amiga de Dana de Teffé, Leopoldo Heitor havia dito que Dana viajara à Tchecoslováquia para encontrar a mãe, que estava viva morando em um asilo. E que havia pedido a ele que vendesse seus bens para que ela pudesse comprar a saída da mãe da “cortina de ferro”.
A cunhada de Leopoldo Heitor declarou à polícia que, poucos dias depois do desaparecimento de Dana, havia visto um ferimento na coxa direita de Leopoldo Heitor e, no sítio deste, havia encontrado muitos lençóis e toalhas – além de um dos cômodos – sujos de sangue.
Preso, Leopoldo Heitor apresentou uma nova versão: a de que teria arrumado para Dana um posto de representante para a América Latina da empresa Olivetti, de máquinas de escrever. Ele explicou que a sede da empresa ficava em São Paulo e a convenceu a fazer a viagem de carro. Na estrada, teria tido problemas com o carro. Ao parar para verificar o que era, foi assaltado. Depois de trocar tiros com o bandido, percebeu que Dana havia sido atingida. Pensou em levá-la para um hospital em Barra do Piraí, no interior fluminense, mas no caminho viu que ela já estava morta. Com medo de ser acusado de assassinato, procurou um amigo para ajudá-lo a enterrar o corpo. Quem era o tal amigo? Leopoldo Heitor não podia dizer. Onde o corpo foi enterrado? Só o misterioso amigo sabia.
Em uma terceira e última versão, sustentada até o último dos quatro julgamentos, entre 1963 e 1971, Leopoldo Heitor afirmava que Dana havia sido sequestrada por um grupo de nazistas – 15 anos depois do fim da guerra! – ou por comunistas tchecos. “Eram homens altos, louros e fortes”, declarou.
O promotor do caso, José Ivanir Gussem, então declarou: “Quem conta três verdades, não conta nenhuma”.
A Olivetti desmentiu que o cargo de representante para a América Latina estivesse vago. Também não foram encontrados registros da saída de Dana de Teffé do Brasil, após investigações no consulado tcheco, nas companhias aéreas e na polícia marítima.
Preso em 31 de março de 1962, sob a acusação de homicídio e ocultação de cadáver, Leopoldo Heitor conseguiu fugir no dia 4 de outubro do mesmo ano. Capturado dez dias depois, no estado do Mato Grosso, foi julgado e condenado a 35 anos de cadeia, dos quais cumpriu oito.
Entre 1963 e 1971, o advogado acabou absolvido em três outros julgamentos, realizados na cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, onde Leopoldo Heitor era proprietário de terras e muito querido pela população. O crime prescreveu em 1981. Depois de sair da cadeia, Leopoldo Heitor ainda se casou duas vezes. Ao morrer, em 2001, com 78 anos, deixou dez filhos e um grande mistério, que o falecido escritor Carlos Heitor Cony vez por outra relembrava em suas crônicas, quando se referia aos mistérios insondáveis do Brasil:
“Onde estão os ossos de Dana de Teffé?”